sábado, 24 de setembro de 2011

APRESENTAÇÃO E CRÔNICA DE ROGÉRIO ALMEIDA _ Gilberto Cardoso


Rogério Almeida, que aparece nesta foto, é um potiguar que reside na Alemanha. Apesar do muito tempo em que vive fora do Brasil - depois de viajar por diversos lugares do mundo -  jamais se desprende de suas raízes em Santa Cruz e em Natal. Pelo contrário, a cada dia parece crescer seu amor por nossa gente, pelos amigos e familiares que aqui permanecem. A cultura nordestina  tem sido  propagada por ele em todos os lugares onde passa.
Pretendemos criar um espaço neste blog em que ele nos falará de suas vivências interculturais e reflexões através de textos de sua autoria e de outros que traduzirá do alemão  para o nosso deleite. O texto abaixo é de sua autoria:





O patético da guerra e a tirania da beleza

A sala ainda está praticamente vazia poucos minutos antes da aula de tradução. Cadernos, livros
e canetas começam a saltar das bolsas, aqui e acolá arrasta-se uma cadeira. Não demora e a única
distração para a espera no ambiente adormecido é olhar a chuva fina e interminável que embaça as
janelas, a menos que se prefira as tabelas de tempos verbais.

Definitivamente, fico com a chuva.

Já passa da hora e o corredor continua mudo, o que nos dá a certeza de pelo menos mais alguns
minutos de atraso, pois em dias de pontualidade os tamancos da professora costumam denunciar
sua chegada desde o térreo.

Confesso minha satisfação e até a simpatia crescente pela chuva, que agora é forte e me transporta
para paisagens distantes. Só mais alguns minutos disto e a velha argentina terá minha eterna
gratidão. Inocente de mim, porque pedir paz é sempre pedir demais. A conversa sussurrada que
irrompe num canto da sala seria motivo suficiente para uma praga bem rogada. Mas desta vez passa.
Afinal, ela me fez rir.

A mocinha de franja dourada e pronúncia nada delicada volta-se para o sujeito ao lado e dispara em
total desobediência às regras da boa comunicação, num verdadeiro assalto verbal que o apanha com
as calças na mão.

- Você é aqui da cidade?
- Eu? Bem... sim, e você?
- Russa.

O silêncio volta ainda mais constrangedor. Aqueles olhos imensos permanecem soberanamente
imóveis, indiferentes à tortura do miserável que, impotente diante da tarefa nada simples de
entreter uma mulher quando ela assim o exige, agarra-se à primeira tábua que lhe passa à frente no
naufrágio das idéias e me sai com a asneira que só aquela esmagadora falta de ar justifica.

- Russa? Minha avó contava que na guerra gritavam pelas vilas "os russos estão vindo! os russos
estão vindo"!
- Engraçado, a minha contava a mesma coisa, só que o grito era "os alemães estão vindo"!

A russinha ri com todos os dentes no momento em que a porta se abre. Desconfio que a agonia de
meu colega não seria maior se estivesse no cerco de Stalingrado.

Como pesam aqueles olhos, meu Deus...

- Página 45!

Fim da guerra.

As ditaduras venceram.

7 comentários:

  1. Parabens Rogério !! Adorei seu texto vivo,interessante e engraçado como a tua personalidade !!! rsrs
    Gil,que ideia boa de criar este espaço intercultural com Rogério .Qualquer troca cultural e humana ajuda-nos a crescer pessoalmente e humanamente .A qualidade deste blog está em constante progressão .Parabens !!!

    ResponderExcluir
  2. Grande Rogério! Muito criativo seu texto. Parabéns ao nosso mais novo colaborador e ao blog por agregar mais um escritor deste chão.

    ResponderExcluir
  3. Intercâmbio cultural...muito bom mesmo.
    Parabéns Gilberto e Rogério!

    João

    ResponderExcluir
  4. Muito boa essa iniciativa de intercâmbio cultural. Amei!

    MARGARIDA DE TANGARÁ

    ResponderExcluir
  5. Nosso blog cada vez mais cosmopolita, seja bem vindo vaqueiro velho.

    ResponderExcluir
  6. Olá, pessoal!

    Valeu pela acolhida. Já tô me sentindo em casa! Vai ser um prazer estar em Santa Cruz e conhecer mais gente do blog.

    Um forte abraço,

    Rogério.

    ResponderExcluir

Comentários com termos vulgares e palavrões, ofensas, serão excluídos. Não se preocupem com erros de português. Patativa do Assaré disse: "É melhor escrever errado a coisa certa, do que escrever certo a coisa errada”