sexta-feira, 1 de junho de 2012

A MISSA INVISÍVEL - Gilberto Cardoso dos Santos



Na calçada, devidamente paramentado, todas as noites, voltado para a rua, celebra missa para uma plateia inexistente.
Deram-lhe uma batina, provavelmente reciclada de uma peça  de roupa feminina. Veste-a, e, empunhando um microfone desconectado – de brinquedo, talvez – fala coisas pouco inteligíveis. Botou na cabeça que tem uma missão sacerdotal a cumprir. Pensa-se que pense ser um padre, mas, quem sabe, não se julgue bispo. cardeal ou papa?  Frágil jovem que se agiganta aos próprios olhos e faz-se santo de Deus.
Executa gestos solenes e discursa com convicção uma mensagem pouco inteligível, extraída do livro de sua insanidade. Hinos conhecidos são deformados por sua voz anasalada e rebelde às notas. Curva-se respeitosamente diante de uma imagem inexistente, representativa do invisível. Em seguida, pega um pão que outros não veem e, por força de oração, transforma-o no corpo de Cristo. Estende-o às diversas bocas inexistentes daqueles que não se aglomeraram para ouvi-lo. Sua mímica bem feita, própria de quem crê na materialidade do que imagina, leva nosso pensamento a colocar um pão em sua mão e a dar forma a alguém da multidão com quem ele fala ao entregar a hóstia. Sob a parca luminosidade da rua onde mora, os poucos transeuntes que ocasionalmente passam vislumbram o frágil pregador em sua insignificância física, dirigem-lhe breves olhares indiferentes e distanciam-se alheios à solenidade da ocasião.
Nas janelas e portas das casas ao redor, vê-se o piscar das tevês que mantêm a todos presos em seus lares. A apatia parece tomar conta de tudo.
É de admirar a constância com que ele se posta naquela calçada, noite após noite, enquanto o resto da família, já afeita ao barulho de seus discursos, aproveita para ver a novela.

11 comentários:

  1. Li o texto e me emocionei! Maravilhosamente escrito, verossímil à realidade por mim contemplada todas as noites (de segunda a sexta), ao voltar das minhas atidades físicas. São as cruzes que carregamos. As de um são mais pesadas que as de outros. Um dia descobriremos o motivo. A verdade é que Gilberto é mestre nas descrições de suas tão bem feitas criações.

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  2. Obg, amigo Nailson. Obg pelo apoio.

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  3. QUE TEXTO BEM ESCRITO É ESSE? PARABÉNS GRANDE GIL! VC FEZ COM EXCELÊNCIA.

    PEDRO

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  4. essa é uma narrativa verossímel? então o cara é louco,é? muito bom gilberto. só vc mesmo para escrever um texto tão inteligente. parabénsssssss. me responde se foi baseado numa vida real. obrigada!

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  5. esperando a resposta. por favor!

    cilene

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  6. GILBERTO,VC ARRAZA NA ESCRITA. OU POETA/ESCRITOR BOM DANADO. E É BOM TB EM TEXTOS. GOSTEI DEMAIS.

    JOANA

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  7. Esse blog é um celeiro de cultura e nosso Gil cada vez melhor.

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  8. PARABÉNS PELO MARAVILHOSO TEXTO.

    ANA

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  9. Obrigado, Maciel, Joana, Ana, Pedro... Isso nos serve de estímulo!

    É baseado em um acontecimento real, Cilene. Abçs.

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  10. Parabéns,Gilberto,pela observação real e a criatividade do texto.
    Muito bom!

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