Nestas férias, resolvi pesquisar
sobre saúde. Vocês sabem como é: quarenta e sete anos, é bom começar a prevenir. Descobri, para nossa surpresa e desconfiança,
que o ovo pode ser comido à vontade. O que o torna prejudicial é a fritura.
Todavia, se frito em óleo de coco não causa mal nenhum. O óleo de coco, que
protagonizará esta crônica, é uma verdadeira panaceia. Riquíssimo em ácido
láurico, fortalece o sistema de defesa do organismo. Mesmo depois de usado numa
fritura, pode ser reutilizado. Qualquer outro óleo que se utilize em frituras é
prejudicial. Esqueçam óleo de canola, girassol ou algodão. Azeite de oliva é
bom, mas só cru.
Saí em
busca de um vendedor de óleo de coco e quase não pude achar. O único que
encontrei depois de muita procura me disse que fazia sempre, mas não dava pra
quem queria; no momento tinha apenas uns dois dedos. "Quer?"
"Quero!" E comprei por 5 reais. Mas aquilo não dava pra nada,
pois minha mulher se empolgara com a coisa e queria tomar umas duas colheres
por dia, conforme ouvira um especialista aconselhar, para prevenir enfermidades
diversas e para ficar magérrima como Giselle Bünchen. Ela lembrou-me da avó que
utilizava o óleo para amolecer feridas, para estirar os cabelos... mas
advertia: não pode ser bebido! Então decidi: eu mesmo extrairia
o óleo. Primeiro fui ao Google, que é o mais entendido no tema atualmente. Lá
encontrei a receita. "Muito simples", pensei, e fui à rua atrás de
cocos.
Comprei dois grandes, cheios
d’água. A receita dizia que com quanto mais água melhor. Não deveriam ser muito
secos. Quando falei do propósito, o vendedor me disse que óleo de coco é um
santo remédio, mas que não é todo mundo que consegue fazer. Tem que ter a
cabeça boa, disse ele, e sua afirmação foi confirmada por uma senhora que se
achava ao lado. Disse que se a pessoa não tiver a cabeça boa, usa um bocado de
coco e no final não dá nada. “É uma ciência”, arrematou o vendedor. Fiquei sem
saber o que eles queriam dizer com cabeça boa e saí dizendo a mim mesmo: “Se
cabeça boa for o que estou pensando, vou me tornar o maior produtor de óleo de
coco da região!”
Fui à procura do rapa coco. Havia
de dois tipos: um com cabo de madeira, normal, e outro de alumínio em formato
de peixe. Ainda podia optar entre rapa coco com ou sem furo para passagem da raspa.
Optei pelo de alumínio por parecer-me mais resistente. Pensei nos muitos cocos
que a partir daquele teria que raspar para obter o precioso óleo. Pechinchei
com o vendedor e enquanto pedia o abatimento chegou um senhor, também
mangaieiro; este me contou a história de alguém desenganado pelos médicos, que
tomara óleo de coco e ficara totalmente curado. Ainda hoje tá vivo! “Abaixo de
Deus, meu filho, não há remédio melhor! Pra problemas nas partes, na prosta, é
tiro e queda!”. Um senhor ao lado, ao ouvir a menção a Deus, tirou o chapéu e
confirmou o dito.
Quando estava pagando o rapa
coco, chegou a mulher do vendedor. Fui informado por este que a mulher dele
também produzia óleo de coco, mas que o óleo dela era muito caro. Acrescentou:
Essa mulher não tem a cabeça boa, professor. Pra fazer um litro de óleo ela
gasta uns cem cocos! A mulher não gostou do que ouviu e replicou: “É não,
abestalhado. É que o óleo é pouco mesmo. Vai fazer pra tu ver!” O pior veio
depois quando o mangaieiro disse por quanto havia vendido o rapa coco. A mulher
disse que ele é que não tinha a cabeça boa e ficava falando dela. Daquele jeito
eles iriam à falência. Onde já se viu, o rapa coco tinha sido comprado por um
preço alto e ele estava me entregando quase de graça. Ele retrucou que aqueles
rapa cocos estavam boiando fazia tempo. Era melhor vender que deixar encostado.
Ela disse: Foi mesmo que dar o rapa coco a ele. “Pronto!”, disse o vendedor.
"Faz de conta que eu dei de presente a ele nesse começo de ano." Para desfazer o clima e dando uma
de quem não tinha nada a ver com o “peixe” – resistindo firmemente ao impulso de
devolver o rapa coco ou à ideia de pagar alguma diferença - perguntei o valor
do óleo e ela me ofereceu uma garrafinha de nada – um protótipo - por
vinte reais. Saí em silêncio enquanto o
vendedor dizia: “Eu não disse que o óleo dela era caro, professor?”
Na verdade eu estava muito feliz
ante a possibilidade de extrair meu próprio óleo, em condições higiênicas
desejáveis e a baixo custo. Ah, faltou um detalhe: antes tive que comprar um
liquidificador – elemento imprescindível conforme vi na receita. O nosso não
prestava mais pra nada. Chegando em casa, dei início à
grandiosa tarefa de produzir o miraculoso líquido que, junto a outros cuidados
que estou tendo, me permitirá ultrapassar a casa dos cem completamente
saudável, com o vigor de um adolescente. Parti o primeiro coco, enorme,
mas estava podre, tive que descartá-lo. Fui para o segundo e deu certo. Com o
peixe de alumínio nas mãos, pus-me a raspar a deliciosa polpa branca quando, de
repente, graças à minha inabilidade, ao invés de raspar o coco raspei o pulso
direito (sou canhoto). Os dentes metálicos do peixe deixaram quatro rastros
vermelhos e lá se foi a higiene pretendida pois parte da polpa ficou ensanguentada.
"E agora?", pensei. Fui ao frasquinho onde estavam os dois dedos de
óleo adquiridos a duras penas e apliquei algumas gotas no pulso, pois aprendera
que pra ferimentos não há melhor. Depois de isolar a parte sulcada,
retomei a árdua tarefa, ciente de seu alto grau de periculosidade. Ainda bem
que eu tinha um coco de reserva, comprado na semana anterior (um só me parecia
insuficiente). Parti este terceiro apreensivo, mas vi que ele já estava
largando o óleo naturalmente. Pareceu-me no ponto.
No liquidificador coloquei a rapa
com a água recolhida dos próprios cocos e esbagacei tudo. Escorri o leite numa
peneira, coloquei o bagaço num pano e espremi até fazer caretas. Era o leite
pingando e o suor caindo. Agora, vinha a parte pior: ter que esperar quarenta e
oito horas, conforme prescrevia a receita, para que, incubados num lugar
completamente escuro, os componentes do coco se separassem naturalmente. Passei o sábado e o domingo na
maior ansiedade. Eu queria fazer aquilo sozinho. Não permitiria que alguém
metesse a mão em meu precioso óleo pelo qual até sangue verti. No domingo à
tardinha fui à vasilha, guardada “debaixo de sete chaves” na despensa. Despi-a
com delicadeza, como um recém-casado despindo a esposa. E o que vi na vasilha
de vidro? Duas camadas. Uma enorme, líquida, tendo por cima uma baba branca,
fininha, que me pareceu ser algum bagaço de coco que escapara pelas malhas do
tecido. Tirei aquela baba. Minha esposa, sabedora dos múltiplos usos do coco,
pediu para tentar fazer algo com ela. Quem sabe, se levada ao fogo não daria
uma farofa?
Na vasilha ficou uma quantidade
enorme de líquido. Pensei comigo: Agora vem a penúltima parte da receita. Vou
colocar o líquido numa garrafa plástica e deixar passar um tempo. Depois de
mais 3 ou 4 horas o óleo se separará da água e eu terei o precioso remédio para
muitos dias. A última etapa seria colocar a
garrafa plástica com os líquidos separados no congelador para que se
solidificassem. Por fim, deveria cortar o recipiente rente à faixa do óleo e
ufa: em temperatura ambiente deixaria que o óleo extraído a duras penas
voltasse à sua forma natural. Nessa bendita noite, tão cheia de
expectativas, minha sogra (mulher que conhece coco como a palma da mão. Quenga,
por exemplo, ela diz conhecer à distância) veio jantar conosco e provou da
deliciosa farofa preparada por sua filha. Eu também comi e achei-a um manjar
dos deuses. Pena que era tão pouca! Quando a amada sogra – única da
espécie que me faz ter ofiofilia - foi à geladeira e viu a garrafa no congelador,
perguntou o que era. Minha esposa explicou o processo todo, a história da baba
que eu tinha descartado... “Vote!”Exclamou a Micrurus corallinus, “e ele vai
fazer o óleo com quê?” Em seguida explicou que o óleo se achava justamente na
baba que eu havia pretendido jogar fora.
Bem, o que
restou disso tudo? Muitas risadas naquela noite, que atrapalharam nosso sono; quatro
riscos no pulso, parecidos com marcas deixadas por unhas de gato; uma garrafa
Peti com uma substância que minha esposa vai tentar transformar em farofa ou
vinagre de coco e um desejo enorme de saber onde posso comprar o óleo
virgem, barato, produzido sem cozimento.