segunda-feira, 25 de novembro de 2013

CINZAS DO TEMPO - José da Luz




Eu era menino
quando o tempo era ontem.
Na casa de alpendre
via minha avó, de avental de chita
e abano na mão,
atenta a atiçar as chispas do fogão.
No fogo de lenha
a panela de barro cozinhava lentamente.
Meu avô madrugava nas veredas
tangendo um burrico
com cangalha e cambitos,
carregando água de cacimba
em barris de zinco.
Na hora do almoço
a família reunida em volta
da grande mesa,
sentada em bancos de madeira;
todos, sorridentes, suados e serenos,
serviam-se em pratos de porcelana.
Na cozinha tisnada,
minha avó fazia café forte e quente.
Café torrado e misturado com rapadura do brejo,
batido no pilão de madeira
e passado em coador de pano.
À boca da noite,
na sala grande da velha casa,
antigas histórias eram enredadas
na polifonia de personagens.
Parentes e amigos vizinhos, se revezando
sob o lume da lamparina a gás,
avolumavam as sombras de heróis e vilões
que continuam vagando
em minhas noites de insônia.
Atualmente,
já mergulhado nos ismos e logos das ciências,
quando tomo um Nescafé de refil

fecho os olhos
e vejo pela janela do tempo
meu avô cortando lenha no terreiro
e na cozinha tisnada
a minha avó soprando as brasas do fogão,
fazendo um café forte
que ainda hoje aquece as cinzas
de minha memória.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentários com termos vulgares e palavrões, ofensas, serão excluídos. Não se preocupem com erros de português. Patativa do Assaré disse: "É melhor escrever errado a coisa certa, do que escrever certo a coisa errada”