segunda-feira, 21 de julho de 2014

A MORTE DE MESTRE ANTÔNIO DA LADEIRA

 Santa Cruz e o RN estão de luto. Perdemos no dia de hoje (21/07/2014) um dos mais importantes nomes da cultura popular norte-riograndense: O Mestre Antônio da Ladeira.

Para benefício dos que não o conheceram ou pouco sabem a seu respeito, transcrevo o mais completo trabalho que já se fez a seu respeito do site do IFRN, Campus de Santa Cruz, onde também se encontram  vídeos duma  entrevista feita com ele:





ANTÔNIO RODRIGUES DA SILVA, CONHECIDO COMO ANTÔNIO DA LADEIRA, É UM DOS MAIS IMPORTANTES MESTRES DE BOI DE REIS DO RIO GRANDE DO NORTE. CONSIDERADO PATRIMÔNIO IMATERIAL DA CULTURA POTIGUAR, MESTRE ANTÔNIO DA LADEIRA NASCEU EM SANTO ANTÔNIO DO SALTO DA ONÇA, EM DEZEMBRO DE 1924. ORFÃO DE PAI, VEIO COM SUA MÃE PARA O TRAIRI AINDA CRIANÇA PARA TRABALHAR NA AGRICULTURA, NO CULTIVO DO ALGODÃO. NESSA REGIÃO, MANTÉM A TRADIÇÃO DO BOI-CALEMBA POTIGUAR HÁ MAIS DE 65 ANOS.

Foi ainda criança que Mestre Antônio da Ladeira conheceu o Boi de Reis, vendo a brincadeira de outros mestres. Hoje (2010), com seus 86 anos vividos, Mestre Antônio da Ladeira é uma figura referencial da cultura do Trairi e, mais particularmente, do Bairro Paraíso. Diversos pesquisadores de cultura popular já se debruçaram sobre o trabalho do Mestre Antônio da Ladeira e buscaram registrar seu rico conhecimento da tradição oral do Boi de Reis potiguar.
Sua brincadeira tem conotações místicas e simbólicas, ligadas profundamente ao imaginário cristão e a referências mitológicas que cercam o nascimento de Jesus.

De acordo com a visão tradicional sobre a origem do Boi de Reis, os três Reis do Oriente teriam descido do céu para homenagear Jesus, dançando o Boi ao redor da manjedoura.  Segundo Mestre Antônio da Ladeira, o registro da brincadeira do Boi teria chegado ao Brasil através de um livro que teria sido deixado na Serra de Cuité, na Paraíba.
Inserido em um universo mitológico, onde o sentido do tempo não corresponde aos dados da cultura historiográfica acadêmica, o Boi de Reis é uma manifestação cultural que mistura  religiosidade, arte e recreação em um  conjunto sagrado de referências estéticas que marca profundamente a sensibilidade popular e a identidade de nosso Estado.

No Boi de Reis, os cantos giram em torno da descida e da ascensão dos Três Reis Magos. As figuras que circundam o Boi de Reis de Mestre Antônio são tradicionais, como a burrinha, o bode, o Jaraguá (um monstro sem uma característica definida que pode fazer referência a antigas lendas de feras marinhas e monstros mitológicos que apavoravam o imaginário dos pescadores) e o cavalo marinho. O termo “marujada” é usado por Mestre Antônio para designar os brincantes do Boi.
Seu Boi de Reis retém elementos não apenas da tradição sertaneja, caracterizada por alguns pesquisadores como “civilização do couro”, como traz também marcas significativas do universo imaginário dos povos que habitam o litoral do Brasil.

O tempo do Boi não é histórico, mas mitológico e, como tempo mitológico, é também um tempo circular. O ano é dividido em dois grandes ciclos, como nas antigas tradições religiosas que regulavam suas festas a partir da chegada e da partida das estações. Tradicionalmente se brincava o Boi entre Julho e Janeiro (terminando no dia de Reis).

Após seis meses de brincadeira e de apresentações pelas Serras que cercam o Trairi, Mestre Antônio da Ladeira, seguindo uma antiga tradição, queimava seu Boi no Dia de Reis.
Esse ritual marcava o fim de um ciclo e o começo de outro através do ritual do fogo. No entanto, trazia certos riscos.
Segundo Mestre Antônio, quando a madeira do chifre do boi estralava no fogo, era sinal de que alguém do grupo iria morrer. A morte do Boi através do fogo fecha o ciclo do tempo e marca, também, os riscos da mortalidade dos próprios brincantes. Em um universo em que o real e o imaginário não têm fronteiras definidas, a brincadeira do boi não é vista como uma “expressão artística”, mas como parte da vida da própria comunidade, um elemento que integra, em uma totalidade, a fé, a beleza, a expressão particular, o humor e a imaginação do povo.

A música e  a dança são elementos fundamentais na brincadeira do boi. Mestre Antônio utiliza a rabeca, mas também não faz objeções ao uso de outros instrumentos como a sanfona, por exemplo. O que não pode mudar no Boi de Mestre Antônio da Ladeira são os cantos e as danças. Mesmo que os instrumentos mudem, a ordem das músicas e o conteúdo dos cantos não sofrem alteração.

Outro aspecto importante, que mantém relações com as práticas religiosas de povos tradicionais, é a evocação dos três Reis:

“Se perguntou quem cantou
Aqui neste lugar
Foi os três reis do oriente
Belchior, Gaspar, Baltazar”

Nesse sentido, a arte de Mestre Antônio presentifica e evoca a presença espiritual dos três reis, que surgem novamente no mundo para repetir a mesma festa que fizeram no dia em que Jesus nasceu. A brincadeira de Reis é, assim, um ritual sagrado, que faz com que a história da visita dos três Reis do Oriente possa ser experimentada pela comunidade, revitalizando o mito e dando forma viva e atual a um sentimento que remonta a tempos muito antigos.
Outro aspecto importante do Boi de Mestre Antônio é a rigidez com que ele trata a divisão entre homens e mulheres. Para o Mestre de Santa Cruz, as mulheres não podem dançar o Boi. Para elas existe o pastoril, mas feminino, menos intenso e vigoroso.
Essa divisão de danças também evoca uma sociedade rígida, cindida pelo gênero, onde homens e mulheres têm papeis socialmente distintos e demarcados de modo rígido.

Entre as cantigas, pequenos intervalos recitados em forma rimada, chamados de loas são introduzidos na brincadeira. Geralmente em primeira pessoa, essas loas têm um forte conteúdo narrativo. Ligados a histórias fantásticas ou bem humoradas, as loas, junto com o aboio (que marca a ligação do Boi de Reis de Mestre Antônio com a cultura sertaneja do gado) e as cantigas, compõe um aspecto poético muito importante dessa manifestação tão rica da nossa potiguaridade.


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