quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

AOS CRÍTICOS -

Rogaciano Leite
(1920 São José do Egito/PE - 1969 Rio de Janeiro)

AOS CRÍTICOS

Senhores críticos, basta!
Deixai-me passar sem pejo
Que o trovador sertanejo
Vem seu “pinho” dedilhar...
Eu sou da terra onde as almas
São todas de cantadores
– Sou do Pajeú das Flores
Tenho razão de cantar!

Não sou um Manuel Bandeira,
Drummond, nem Jorge de Lima;
Não espereis obra prima
Deste matuto plebeu!
Eles cantam suas praias,
Palácios de porcelana,
Eu canto a roça, a cabana,
Canto o sertão... que ele é meu!

Pede ó lira inexpressiva,
(Antes que o tempo te empoeire)
Piedade a Gilberto Freyre,
Lins do Rêgo e Álvaro Lins!
Carpeaux! Rachel! Milliet!
Ó donos de suplementos!
Tolerai, por uns momentos,
Cem folhas de versos ruins!

Bem sei que até vos afronta
Esta minha pena rude
Sem talento e sem virtude,
Sem beleza de expressão,
Que devia estar no mato
Entre garranchos e espinhos
Esquecida nos caminhos
Que dormem brancos – no chão!

Contudo, peço licença
Ao majestoso recinto
Para dizer o que sinto,
Para expor o que escrevi...
São retalhos diferentes,
Bordados de várias cores,
Linhas de risos e dores
Do que gozei... e sofri!

Rabisquei de pena solta,
Ora inquieto, ora tranquilo,
Sem fazer questão de estilo,
Sem polir, sem burilar...
Que preconceito de escolas!!!
Arre, com tanta exigência!!!
O que me veio à cadência
Deixei correr, transbordar...

Comecei cantando trovas
Com repentistas nativos;
Depois, por vários motivos,
Vim pra Cidade – de vez;
Troquei a calça riscada
E o paletó de “roda”
Pelo jaquetão da moda,
Colarinho e pince-nez!

Quando deixei as caatingas
E cheguei cá na Cidade,
Diante da Civilidade
Quase morri de um “ataque”
Comecei a ler Castro Alves,
Guerra Junqueira e Tobias,
Catulo, Gonçalves Dias,
Varela, Cruz e Bilac!

E de todos esses mestres
Tive uma influência forte:
Deixei as várzeas do Norte,
Quis subir como um Condor...
Muito mais antes guardasse
Meu estilo e minha escola
Com o mesmo som da viola
De quando fui cantador!

Agora é tarde... impossível!
O contágio da Cidade
Mata a originalidade
E impõe-nos mais o pecado
De ficarmos no entremeio
Deste e daquele reduto,
Com o complexo de matuto
Que quer ser civilizado!

Resultado: não sei como
Publico meu “Carne e Alma”...
Os modernistas, sem calma,
Hão de dizer, mesmo assim:
“– Isso não se usa mais hoje!
Isso é puro anacronismo,
Péssimo condoreirismo,
Pastiche muito ruim!...”

“Esse pobre é um passadista,
Um retardado atrevido,
Que devia ter nascido
Quando Dom Pedro nasceu;
Bem faria se estivesse
Chorando sobre taperas,
Declamando as ‘Primaveras’
De Casimiro de Abreu!”

Mas, que culpa tenho, amigos,
De ter sido um “retardado”
E não ter assimilado
O que a vossa escola diz?
Cada qual faz o que pode...
Pois se estes versos a esmo
São tudo o fiz eu mesmo,
Vo-los dou conforme os fiz!

Como caixeiro viajante
De “drogas” do Pensamento,
– Ora em cima dum jumento,
Ora dentro dum avião –
Eu tenho corrido terras
Durante meses a fio,
Desde o Amazonas ao Rio,
Do Litoral ao Sertão!

Eis a razão do ecletismo
Deste conjunto de “plantas”!
São tão diversas e tantas
As que eu “enxertei” aqui,
Que neste jardim selvagem
O visitante se engana
Entre a flor de jitirana
E o botão de bogari!...

Finalmente, este volume
De tão fraca ressonância
Tanto tem risos de infância
Quanto guerra, fome e amor...
Numa palavra, senhores,
O livro que vos entrego
É como saco de cego:
– Tem feijão de toda cor!...

Fonte:
Livro Carne e Alma

CEPE, 1988 - 3º Ed.

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