sexta-feira, 29 de abril de 2016

O OURO DE APOLÔNIO (conto) - Ramilton Marinho


O OURO DE APOLÔNIO


          Nas noites vagarosas, o vento cambaleando nas ruas desertas, Apolônio empurrava o carro-de-mão, como se carregasse essa angústia de que se sentem ameaçados os mortais.

          Recolhia o sustento do aluguel do seu carro-de-mão emplacado, coberto de enfeites e ostentando uma placa orgulhosa: "Táxi". Passava os dias transportando roupeiros, guarda-louça, petisqueiros e camiseiros daqueles convencidos a se transferirem de residência a cada novo quadrante da lua, nos aumentos dos aluguéis e nas rinhas de vizinhos.

          Sabe-se que ao chegar em casa, Apolônio ligava os dois televisores, procurando entre as opções algum tiroteio, quando lhe ensinavam os cowboys os truques das armas, as tramas dos jogos e a sorte com as mulheres.

          Ao aproximar-se à madrugada, ao mesmo tempo em que permanecia preso à tela, ele saia trajando um chapéu de dublê mal remunerado, a rondar pela noite empurrando o carro-de-mão, enquanto todos os vultos o perseguiam impunes.

          Entre os que o viram em casa e, ao mesmo tempo, na rua, nenhum sobreviveu lúcido o suficiente para explicar as asperezas e as desilusões de um álibi indevassável.

          Quando já o dia clareava, no fim de uma dessas inúmeras noites duplicadas, ele sentiu arranhar os pesadelos um barulho agudo embaixo da rede. Com a rapidez de um John Wayne sacou os dois revólveres de madeira e ameaçou sem pestanejar:

          - Solte o ouro, bandido!

Na frente da mira, a sua velha mãe tremia, segurando na mão um gasto penico de ágata, reparando nos olhos do filho um sinal luminoso, cristalizado como um coágulo de lua.


Extraído do livro


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