terça-feira, 24 de maio de 2016

UMA AULA DE CRÔNICA - Professor Ismael André


UMA AULA DE CRÔNICA
Professor Ismael André

Cheguei disposto a ensinar a construir crônicas, material todo pronto, esquematização do plano de aula estava perfeito nas minhas correntes cerebrais, que fizera durante toda madrugada no repouso da escuridão.
Inicio a minha aula, faço as considerações iniciais, e já estava adentrando ao conteúdo, quando fui interrogado:
- Mas professor, o que é crônica?
Tentei ser menos técnico do que de costume e disse que crônica era uma narrativa histórica que expõe os fatos do cotidiano seguindo uma ordem cronológica. Exemplifiquei que as mesmas são frequentes em jornais e revistas periódicas.
- Relaciono a crônica com a notícia. A notícia é o registro técnico do fato, a crônica, por sua vez, é a notícia idealizada numa linguagem poética, literária. O cronista é um literato que pode ser jornalista...
- Ah, professor, então minha vó é cronista!!!
- Ela faz crônica, Samuel? – fiz a pergunta num tom tão curioso.
- Ora se não faz!!! Ela é brilhante nisso...
- Tem textos publicados? – a euforia do amar escrever me deixava mais entusiasmado em conhecer uma conterrânea da minha modesta cidade. Afinal, nunca fui conhecedor que alguém naquela cidadezinha tivesse se destacado na literatura.
- Nada, professor!!! Minha vó nem sabe ler, que dirá escrever!!! O cronista não pode usar somente da fala?
- Na verdade, pode sim. Mas, o ideal é que se registre na escrita. Mas, por que você diz que sua vó é cronista, menino?
- Porque toda tarde, professor, ela senta na calçada, no que o senhor chama aqui de mesa redonda, mas não tem mesa... rsrsrs... com um grupo de amigas... e relata numa precisão tão grande, que até me admiro todos os fatos ocorridos na cidade... E são em ordem cronológica, narrados numa linguagem bem coloquial, em narrativas curtas...
- Sério?
- Sério! Ela comenta: Oh Comadre Maria, você viu que a menina do José passou na direção da rua do Hospital já era umas dez da noite e logo depois o filho da Alzira vinha de lá? Oh Comadre Joana, você viu que foi só o esposo de Antonieta sair e o vizinho passou para lá? Mas, Comadre Zefa, era umas quatro da manhã quando um carro rondava a praça, o que será que queria, será que vão assaltar o banco daqui?
E continuava a descrever a fala da avó, até que o interrompi:
- Samuel, sua vó sabe de tudo isso?
- E muito mais, professor!!! Inclusive hoje, ela me disse que o senhor deixou a namorada em casa por volta de umas dez da noite de ontem e logo depois parou na praça e dizia ao celular: quando eu chegar em casa, eu resolvo seu problema, esquematizo tudo para amanhã e ponho nas suas mãos, porque só gosto de fazer isso de madrugada, na calmaria da noite.


Aos 24 de maio de 2016, precisamente às 12h40min.


8 comentários:

  1. Mais uma produção literária de qualidade, tão boa quanto as anteriores. Parabéns!

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    1. Obrigado, meu grande colega e amigo, Joel Canabrava!

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  3. Bem, teoricamente a personagem é uma cronista de primeira. Relata tudo cronologicamente. Entretanto, no popular é uma autêntica "boca xafurdo".

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    1. Rsrsrs... Verdade, Professora Assunção Medeiros!

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