domingo, 31 de janeiro de 2016

DOIS BELOS POEMAS DE JOSÉ MARTI


Meu Cavaleiro 

De manhã cedo
meu pequerrucho
me despertava
com um grande beijo.

Logo montado
sobre meu peito
freios forjava
com meus cabelos.

Ébrios de gozo
tanto eu como ele
me esporeava
meu cavaleiro:
que suave espora
seus dois pés frescos!

E como ria
meu cavaleiro!

Como eu beijava
seus pés pequenos
dois pés que cabem
juntos num beijo!


Cultivo uma rosa branca

Cultivo uma rosa branca,
em julho como em janeiro,
para o amigo verdadeiro
que me dá sua mão franca.

E para o cruel que me arranca
o coração com que vivo,
cardo, urtiga não cultivo:
cultivo uma rosa branca. 

sábado, 30 de janeiro de 2016

O carnaval de Mané da Viúva - Rosemilton Silva


A personagem que pretendo retratar, como muita gente sabe, é meu pai que deu nome a rua onde hoje estão os galpões de fabricação têxtil. Manoel Ferreira da Silva ou simplesmente Mané da Viúva, era fotógrafo, devoto de Santa Rita e seu maior e melhor leiloeiro até hoje. Nem mesmo nós, especificamente Romualdo Silva, conseguimos sequer amarrar a “chuteira” dele. Por isso, espero não ser chato e ter a isenção necessária para não enaltece-lo, simples e puramente, por ser meu pai. Dito isso, vamos as memórias.
No sábado de Zé Pereira, cedinho ele arrumava a “lambe-lambe”, tomava seu café e me pedia ajuda para leva-la até a esquina da nossa rua, a Ferreira Itajubá, para armar a máquina ao lado da parede do mercado onde estendia o pano, já desbotado pela ação do tempo, que servia de fundo para as fotos 3x4 ou em tamanho maior.
Lá pelo meio dia com a feira já quase acabando e a grande maioria das pessoas voltando para os sítios, as cidades vizinhas, eu desarmava o equipamento, levava pra casa e ele ia até a Prefeitura ver com estavam os preparativos para o baile da noite. Durante muito tempo ele cuidou da arrumação, das necessidades da orquestra que – no tempo que alcancei – era dirigida pelo maestro Oscar. As vezes, vinha um pessoal de fora principalmente músico da banda da Polícia Militar.
Chegava pra almoçar e não descansava como fazia costumeiramente. Tinha uma rotina que eu sabia de cor, mesmo ainda com meus 4, 5 anos de vida. A casa da professora Neném Galdino e sua sobrinha, Júlia, ficava praticamente atrás da nossa, mas era preciso descer pra Frei Miguelinho e pegar a rua do Vapor ou Cagô como alguns chamavam. Ia combinar a saída do bloco, que nem tinha nome mas todos chamavam-no de bloco de Mané da Viúva e Neném Galdino. O baile na prefeitura era para os ricos enquanto que o bloco era para os pobres como nós.
Mané da Viúva não ficava no baile da Prefeitura, mesmo que fosse convidado como sempre acontecia, até para uma emergência. Preferia ficar em casa e, se houvesse alguma emergência, estaria pronto para atende-la. Coisa que nunca, que eu me lembre, houve. Essas são as recordações que tenho do baile de carnaval na Prefeitura.
E aí vamos para o carnaval de rua. No domingo de Ze Pereira, logo cedo, ele saía no caminhão de Faustino para Campo Redondo. Feira menor, com menos tempo e de volta lá pela uma hora da tarde. Almoçava em casa e não na sua comadre dona Ana do compadre Joca, e o papo com Manoel Norberto era menor. No caminho, já vinha conversando com Faustino sobre o roteiro do bloco que saía em cima da carroceria do caminhão de Faustino, embora já fosse conhecido de cor e salteado.
Assim que chegava, mamãe colocava – e ela nunca foi muito de carnaval, relutava e acabava não indo – o almoço. Ele não se demorava muito, saía para conversar com Zé Galdino, o sanfoneiro do bloco e de outras festas. Nisso ia juntando os amigos, conversando com um, com outro até coisa de quatro horas da tarde quando ele chegava em casa para um banho, trocava de roupa que não era uma fantasia porque ele não gostava e já estava pronto esperando Faustino chegar com o caminhão na porta da nossa casa. Era um carnaval simples, sem muita bebedeira. Era um passeio pela cidade pequena e isto se repetia ao longo dos outros dias de carnaval, mas sem se descuidar das obrigações do baile da Prefeitura. Ele costumava dizer que reunir os amigos era algo impagável, fosse no carnaval, fosse na festa da padroeira, no São João, no aniversário...
Interessante porque no bloco só saiam duas mulheres: Neném Galdino e Júlia. Não tinha estandarte nem fazia muito barulho. Entre os amigos de Mané da Viúva que eu me lembre na brincadeira, estavam Michael, os sapateiros Chicó Flor e Matias, o açougueiro Zé Vicente, o flandeleiro Juvenal Pé de Copa. Mesmo sem ouvir absolutamente nada, Miguel Doido não deixava por menos, estava lá firme e gritava a vontade.  Alguns outros que não lembro.
O bloco tinha algumas paradas obrigatórias. A primeira delas e me lembro que o dono da casa fazia questão que fosse a primeira, era em Jácio Fiúza, situada na esquina onde foi o INSS, onde os foliões encontravam Jácio na porta com dona Aidé, sua esposa, com uma mesa onde havia algumas bebidas e o bloco ficava no espaço do terreno se divertido por uns 20 minutos. Depois era na outra esquina, em Miguel Farias. Nada diferente e Miguel se divertia com todos eles. Mané da Viúva tinha uma amizade muito grande com os dois. O primeiro pelo lado político e da prestação de serviço durante o alistamento eleitoral e também prestação de contas de obras realizadas com recursos dos governos Municipal e Federal, quando era necessário comprovar com fotografia. O segundo, Miguel Farias, pela convivência natural da cidade, da organização do leilão e da festa da padroeira, Santa Rita. Ele tinha o maior respeito pelos dois e ainda Odorico Ferreira de Souza.
Saindo dali, passavam onde hoje é o Trairy Club e seguiam no rumo da casa de Clodoval Medeiros, aliás passagem obrigatória de qualquer farra que se prezasse na cidade. Mas não demoravam muito, seguiam o trajeto descendo a rua no rumo da cadeia pública, subiam a Eloy de Souza, davam uma volta na praça, entravam no beco das Almas, cumprimentavam monsenhor Emerson Negreiros com um toque de Zé Pereira e desciam até a cadeia para passarem o rio, se não estivesse cheio e para alcançarem o Paraíso. Subiam a Padre Antonio Rafael e desfilavam por duas vezes, atravessavam novamente o rio e chegavam a Frei Miguelinho indo até a Padre João Gerônimo para entrarem na Rua Daniel, hoje Augusto Severo e Mossoró. Em frente a igreja encerravam o desfile e cada um seguia para suas casas até retornarem no dia seguinte.

Há uma curiosidade interessante. Na terça feira de carnaval, o bloco fazia todo o mesmo percurso mas não parava em frente a igreja, descia na Camilo José da Rocha, entrava na rua do Vapor ou Cagô, hoje Dr. Jácio Fiúza, fazia uma parada em frente a casa de Neném Galdino. Ela e a sobrinha desciam, e os homens seguiam pela rua, entravam na Frei Miguelinho novamente e dobrava a direita na Ferreira Itajubá, no rumo do cabaré. Lá, todos desciam e as prostitutas vinham se agregar ao bloco no meio da rua onde dançavam até por volta das 7 da noite, todos na rua, não entravam nas ditas casas de recursos. Quando perguntado porque isso, Mané da Viúva dizia que elas também eram filhas de Deus no que minha mãe, dona Rosa, concordava. Ele dançava o tempo todo abraçado com Adelaide, sua irmã, uma mulher esguia, bonita, inteligente mas muito frustrada. Acabou cometendo suicídio, jogando álcool em todo o corpo e tocando fogo. Nunca mais Mané da Viúva encerrou o carnaval no cabaré. Os amigos iam, ele descia na curva da rua, alí onde ficava a bodega de Maria do Carmo de um lado, do outro a casa do trombonista João Leão e na frente a bodega de dona Chiu.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Passa um vento zumbindo no telhado, Parecendo um sinal do fim mundo - Glosas












(Hélio Crisanto)

O céu negro coberto de poeira
Entre raios, trovões e nevoeiro
Anuncia de longe o aguaceiro
No momento daquela barulheira.
O relâmpago formando uma lareira
Parecendo um ciclone bem ao fundo,
Derrubando em menos de um segundo
Pé de árvore, casebre e até gado;
Passa um vento zumbindo no telhado,
Parecendo um sinal do fim mundo


(Jarcone Vital)

Na frieza das noites de inverno
Quando a prole descansa em seu regaço
Eu debulho a diária de cansaço
Rabiscando nas folhas de um caderno
De uma força maior sou subalterno
Que me faz cair num sonho fecundo
E desperto a pensar por um segundo
Que lá fora tem algo de errado
Passa um vento Zumbindo no telhado
Parecendo um sinal do fim do mundo...


(Don Itanildo)

Tava em casa sem ter o que fazer
Sossegado e tranquilo nessa noite
De repente o vento deu um açoite
Que fez o meu corpo estremecer
Não sabia o que iria acontecer
Pode crer tomei um susto profundo
Me deitei parecendo um moribundo
Nas cobertas fiquei apavorado
Passa um vento zumbindo no telhado
Parecendo um sinal do fim do mundo.


(Gilberto Cardoso)

Vejo um raio a cortar o céu escuro
e a poeira a subir no vendaval
é de chuva um nítido sinal
A tormenta me deixa inseguro 
mia um gato correndo sobre o muro
A gemer ouço a voz de um vagabundo
Das montanhas distantes oriundo
Vem um sopro gigante inesperado 
Passa um vento zumbindo no telhado
Parecendo um sinal do fim do mundo.

Nem todo poeta rima, nem toda terra é sertão - Glosas



Nem todo canto é lugar Nem todo gato é felino Nem todo deus é divino Nem toda dupla faz par Nem tudo pode explicar A ciência em expansão Nem todo não é um não Nem toda casa é da prima "Nem todo poeta rima nem toda terra é sertão."


Nem todo sonho é de trigo
Nem todo dólar é real
Nem todo mau faz o mal
nem todo fogo é amigo
nem toda pena é castigo
nem toda cela é prisão
nem todo deus tem perdão
nem toda crença sublima
"Nem todo poeta rima
Nem toda terra é Sertão"

Gilberto Cardoso dos Santos
Cuité - PB/Santa Cruz - RN



quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Epitácio Andrade Ingressa na ABDC

Escritor Epitácio Andrade Ingressa na Associação Brasileira de Documentaristas e Curtametragistas

ESCRITOR EPITÁCIO ANDRADE

            Neste dia 27 de janeiro de 2016, o escritor Epitácio Andrade participou de sua primeira reunião como filiado da Associação Brasileira de Documentaristas e Curtametragistas (ABD e C) Sob a presidência da jornalista e especialista em cinema Dênia Cruz, a reunião ocorreu no auditório do Instituto Federal de Educação Tecnológica do Rio Grande do Norte (IFRN), na Cidade Alta, em Natal, capital do Estado.

 
COM DÊNIA CRUZ
            Na ocasião, o escritor discutiu com o musicista Roberto Damasceno sobre a sua recente pesquisa sobre a biografia do violinista e pesquisador da rabeca Luiz Mário da Rocha.

COM ROBERTO DAMASCENO

             Em conversa com o cineasta Rômulo Sckaff falou sobre seus documentários: O Doido do Saco e O Lugar da Morte de Jesuíno Brilhante, que serão apresentados ao pesquisador de documentários Marcelo Duainain. 

COM RÔMULO SCKAFF

COM DIRETORIA DA ABD e C

            No próximo dia 05 de fevereiro de 2016, o escritor foi convidado para participar de uma reunião com a equipe técnica do CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) e com Alexandre Dantas, secretário de saúde do município de São José de Mipibu, na área metropolitana de Natal, capital do Rio Grande do Norte, quando apresentará projetos cinematográficos para 2016. Com a filiação, Epitacio Andrade está tendo oportunidade de trânsito cultural por parcela importante da intelectualidade potiguar.   

COM MARCELO DUAINAIN

OBRA DE RONILSON FERREIRA

CONSELHOS - Hélio Crisanto


Pra seguir tenha coragem
Pra ouvir tenha atenção
Pra vencer tenha bagagem
Se errar, peça perdão.
Se for correr, tenha calma
Se aflito, sossegue a alma
Se doar, doe por inteiro
Se for servir não demore
Se for maldade, ignore
No amor seja o primeiro


(Hélio Crisanto)

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

SONETO DE INGRATIDÃO Professor Ismael André




Uma alma chorando de tristeza
Pelo o bem tão somente praticado
A ternura do mal é realeza
No coração de um ser injustiçado

A prudência é caminho de avareza
Para um anjo que virou um condenado
Um coração carrasco e com rudeza
Lança pedra no bem lhe ofertado

Quem dirá que um dia esta dor
Possa a confiança em acusação
E o sentimento eterno que é o amor

Alimentar um espírito em depressão
E que este sentir de tanto horror
Possa sepultar a ingratidão.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

O CAPETA NA MARCHA PRA SATANÁS




A CONFISSÃO DOS CABOCLOS ZÉ DA LUZ E DE LUZIA - Gilberto Cardoso dos Santos


Zé da Luz
A CONFISSÃO DOS CABOCLOS ZÉ DA LUZ E DE LUZIA - Gilberto Cardoso dos Santos

Zé da Luz, grande poeta,
nasceu em Itabaiana
mil novecentos e quatro
trouxe para a raça humana
esse ser iluminado
talvez o mais inspirado
da terra paraibana

Tem por nome de batismo
Severino de Andrade
mas se tornou conhecido
com muita propriedade
pelo nome Zé da Luz
pois decerto ele conduz
muita luminosidade.

Em 29 de março
do ano acima citado
deu o seu primeiro berro
e quando foi batizado
Se louvou a São José
colocando mais um Zé
nesse nordeste explorado.

Zé que veio pra sofrer
como seus progenitores
mas no roçado da mente
iria cultivar flores
e com muita maestria
seus poemas comporia
expressando nossas dores

Numa linguagem matuta
costumava se expressar
a voz do povo se ouvia
no seu modo de falar
sua bela poesia
com certeza refletia
a cultura popular

Alguns poemas que fez
fazem chorar o leitor
já outros são engraçados
possuem doce sabor
mas tudo ao povo remete
e certamente reflete
o nordeste sofredor

Mas vou falar de outro Zé
que lá em Cuité havia
Esse era Zé da Luz
e o outro Zé de Luzia
dois nomes bem parecidos
de dois José conhecidos
através da poesia.

Zé de Luzia era dono
de espantosa memória
e também possuidor
de agradável oratória
nos eventos que havia
declamava poesia
recebendo certa glória.

Tudo quanto ele lia
Bem depressa decorava
e eu às vezes assistia
quando ele declamava
via a plateia calada
totalmente emocionada
com o que ele falava.

Entre ele e Zé da Luz
grande diferença havia
O Zé de minha cidade
nunca escreveu poesia
ele apenas decorava
e nos emocionava
com o que o outro dizia.

Pra eventos do Mobral
Ele era convidado
e Cunfissão de Cabôco
sempre era declamado
porque o povo pedia
então José de Luzia
Luzia emocionado.

Ao escutar tal poema
eu ficava comovido
eu era então um garoto
mas percebia o sentido
graças a Zé de Luzia
o amor à poesia
ali foi desenvolvido.

Havia um outro poema
que era muito engraçado:
"As Frô de Puxinanã"
bastante solicitado
pela plateia local
o aplauso era geral
quando era declamado.

Zé de Luzia chegou
A uma avançada idade
Com a fabulosa memória
Que teve na mocidade
Graças a Zé de Luzia
Pôde a luz da poesia
Iluminar a cidade.

No ano 65
em 12 de fevereiro
José da Luz faleceu
lá no Rio de Janeiro
E é preciso divulgar
a obra espetacular
desse vate brasileiro!

Das muitas coisas que fez
Nenhum livro nos deixou
Porém na boca de outros
Seu nome se propagou
E a sublime poesia
Que criou com maestria
Na voz do povo ecoou.

Infelizmente na vida
tudo tudo é passageiro
Em 2016
19 de janeiro
Cuité se entristeceu
quando soube que perdeu
seu valioso guerreiro.

Morreu com quase cem anos
Lúcido, muito contente
Com fama de homem sábio
declamador eloquente
exemplo de ser humano
que no céu paraibano
brilhará eternamente.

Dois Zé de grande importância
Zé da Luz, Zé de Luzia
Confessando para o mundo
Dramas que a mente cria
Levando a gente a dizer:
Que crime não saber ler
Nem gostar de poesia!

Autor: Gilberto Cardoso dos Santos



OUTRAS MERECIDAS HOMENAGENS:


Poesia em Homenagem a um dos maiores declamadores de poesia do Estado da Paraíba, e o maior de Cuité, o meu amigo Zé de Luzia falecido hoje ( 19/01/2016  em Cuité, PB.)

Poesia fica sentida,
Com a Morte de Zé Luzia.
Ser um bom declamador,
Tem que ser vocacionado,
Não é só ter decorado,
Os versos sem ter amor,
É voar como um condor,
Nos céus da fantasia.

É buscar na poesia.
O belo, a arte, a vida,
Poesia fica sentida,
Com a morte de Zé Luzia.


Aristóteles Pessoa
Cuité, PB, 19 de janeiro de 2016



Na Rua Caetano Dantas e na XV de Novembro,
Faz muito tempo, mas eu me lembro...

Morei perto de Zé de Luzia!
Uma pessoa bem informada, que por todos era amada,
Um grande Mestre da poesia!
Deus lhe deu longevidade; partiu deixando saudade,
Ficou marcado esse dia!
Patrimônio da Cidade, um poeta abençoado!
Descansou o velho guerreiro, nos honrou com seu legado!

(Ubirajara Rocha)






segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

DIAMANTE - Chagas Lourenço


DIAMANTE

A chuva batia no telhado
caía sobre a planta
que cultivas
a flor que eu ganhei
ainda não murchou
mas, se você disser que pode.....
sob o telhado
o presente é um futuro,
arquitetado no passado.
no inconsciente
lapidar um diamante
gera desamor,
os termos técnicos nos aproximam
e o diamante adormece
sobre meu peito
na frescura do ar condicionado

Chl

domingo, 17 de janeiro de 2016

OS CAUSOS DE ZÉ DADÃO - Gilberto Cardoso dos Santos



OS CAUSOS DE ZÉ DADÃO

Zé Dadão era uma espécie de Seu Lunga, mas um Seu Lunga diferenciado. Sua “ignorância” ou brutalidade tinha um quê de refinamento.

Também comerciante, era dono duma mercearia no centro de Santa Cruz, onde vendia de tudo: queijo, bombons, gás, pão, vassoura, vasilhas, sabão... Não era ignorante na acepção popular do termo. Respondia com sarcasmo às perguntas tolas e tomava decisões radicais, espantosas, mas tudo sempre feito com muita calma. Não alterava o tom vocal nem a fisionomia  e a tônica de cada palavra era respeitada; as determinações e respostas inteligentes vinham aparentemente tranquilas, ditas com toda educação, em tom de voz normal, mas firme.

Muitos  são os causos, todos verdadeiros, protagonizados por ele.
Certa vez uma cliente comprou um quilo de queijo. Depois retornou para devolvê-lo:
- Seu Zé Dadão, o queijo tava com gosto de gás.

- Não tem problema - respondeu ele sem alteração, pesou um outro quilo e o entregou à freguesa sem nada acrescentar.

A partir desse dia, tomou uma decisão radical para evitar vexames dessa natureza. Passou a colocar uma bacia com água e sabão e uma toalha ao lado da mercadoria. Quando alguém pedia queijo, ele ensaboava bem as mãos, lavava-as com todo cuidado, enxugava-as na toalha limpíssima e em seguida as untava com manteiga-da-terra. Só após esse ritual atendia o freguês.

Já que estamos a falar de uma das mercadorias que ele mais vendia naquele tempo em que eletricidade era coisa rara, houve o caso de alguém que veio comprar um galão de gás. Ele encheu a lata, mas o freguês reclamou, disse que não ficara bem cheia. Ele disse; 
- Não tem problema. Eu vou completar. -  E começou a despejar gás na vasilha. Não demorou muito, encheu até o gargalo e a lata começou a transbordar; o freguês esperou um pouco e, aflito, avisou, achando que ele não estava percebendo:

- Seu Zé Dadão, já encheu. Tá derramando!

- Não. - Respondeu ele secamente. - Ainda não completou como eu quero. - E continuou a despejar gás na vasilha, espalhando aquele cheiro forte por todo o recinto. O freguês, aflito, vendo o gás a espalhar-se chão afora, queria que ele parasse, mas Zé Dadão continuou e só desistiu de completar a lata quando esvaziou o recipiente que tinha às mãos!

- Pronto. - Finalizou, - Veja se agora está cheia.

Ele era assim mesmo, raivosamente solícito às reivindicações da freguesia. Fazia tudo para não cometer erros. Quando errava, ou quando injustamente era acusado, não tentava se desculpar. Vingava-se com classe, do modo mais inusitado.

 Quando o cliente extrapolava os limites de sua paciência, podia preparar-se para o revide. Foi o caso duma mulher que veio comprar uma vassoura. Dirigiu-se ao paiol e começou a puxar de uma em uma.  Examinava bem, dava a impressão que escolhera aquela, mas desistia e procurava outra. Passou um tempão sem encontrar a vassoura que queria, enquanto seu Zé Dadão a acompanhava com os olhos, silencioso, pacientemente subjugando a impaciência.  Finalmente, após muita procura, a mulher abriu um sorriso e decidiu:

- É esta daqui que eu quero!
Educadamente, disse seu Zé Dadão:
- E se eu lhe disser que a senhora escolheu exatamente a que eu não queria vender?
A mulher, por mais que insistisse e argumentasse, voltou pra casa sem a vassoura.

Semanalmente, durante muitos anos, ele fez o percurso de Santa Cruz a Currais Novos guiando seu caminhão em dias de feira. Havia uma ordem expressa para os que desejavam ir com ele: ninguém deveria fumar em seu carro, nem mesmo fora da boleia.

Numa dessas vezes, entre os que se achavam na carroceria disputando espaço com as mercadorias, havia um advogado. Este acendeu um charuto e se pôs a tragar despreocupadamente.
Assim que percebeu, na primeira oportunidade, Seu Zé Dadão parou o carro. Indagado por que fizera isto, respondeu:
- Só vou prosseguir viagem quando o cidadão acabar de fumar.

Envergonhado, o advogado quis jogar o charuto fora, mas ele completou:
- O senhor não precisa jogar o charuto. Eu vou esperar que termine, aí a gente continua a viagem.
Certamente já não havendo mais clima para prosseguir com o doce prazer, o advogado teve que conformar-se com aquelas regras!

Uma vez viram-no em cima da casa, tapando brechas entre as telhas.
Alguém perguntou:
- Tirando goteira, seu Zé Dadão?
- Não - respondeu ele com palavras bem pronunciadas: – Estou cavando uma cacimba.

Em determinado beco do centro da cidade, Zé Dadão observou que alguns moradores de ambos os lados pareciam competir em suas reformas. De vez em quando pintavam seus prédios, nem dava tempo de desbotar a cor.

Ele concluiu:
- De tanto pintar esses prédios, eles vão estreitar o beco e vão acabar fechando-o.

Pontualíssimo e excessivamente cioso do que dizia, se marcasse uma viagem para as nove horas, não esperaria um minuto a mais. Todos que com ele firmavam algum compromisso tinham o maior cuidado com os detalhes.

Uma vez acertou com alguém uma viagem.
- Depois de hora “tal” – advertiu ele, - você já não me encontrará em “tal” lugar.
Como nada há nesta vida que não tenha alguma exceção, o rigor de suas decisões estava prestes a ser testado: o esperado passageiro não cumpriu sua parte conforme fora apalavrado, atrasou-se! Tratava-se, porém, de alguém cuja ida seria de suma importância para o grupo. Friamente, ele começou a ligar o carro para dar partida, mas alguns amigos, aflitos, começaram a interceder pelo passageiro relapso.

- Seu Zé Dadão - suplicou um deles, - vamos esperar só mais um pouquinho!

- Não – respondeu ele com firmeza mas sem exaltação. Ligou o caminhão e partiu.
Para surpresa de todos, parou o carro noutro local um pouco à frente e desligou-o.
 Pronto. – esclareceu. – Conforme o combinado, já não me encontrará naquele lugar.

Ele tinha um jeito único de anotar os débitos de seus fregueses: não encimava as anotações com seus nomes. Designava-os por alguma característica física, psicológica ou comportamental. Exemplos: “O que usa chapéu de palha”; “O de camisa listrada”; “O que tem um olho baixo”; “A que treme as mãos”; "o que é gago". Havia, pois, em seu trato com a clientela um pouco daquela confidencialidade que caracteriza os bancos suíços.

Fazia de tudo pra que não faltasse mercadoria em seu comércio. Odiava ter que dizer ao freguês “Está em falta.” Para evitar isso, tomava algumas providências. Farinha, por exemplo, cuidava em deixar sempre uma reserva, no mínimo uma cuia. O freguês chegava e perguntava:
- Seu Zé Dadão, tem farinha?
- Tenho –, respondia ele com firmeza.
- Então me venda um quilo.
- Tenho -, completava ele, - mas não é para vender.

Desse modo, nunca lhe faltava farinha no estabelecimento!

Com características tão peculiares, não deu outra: Seu Zé Dadão se foi, a terra o comeu, mas continua alimentando a imaginação de muita gente.