sábado, 24 de março de 2018

QUE TIRO FOI ESSE QUE SOA INSISTENTE?... (Hélio Crisanto)


Que tiro foi esse que soa insistente
Perfurando o olho da nossa cultura
Denegrindo a arte, fazendo fissura
Demolindo os sonhos na alma da gente.
Salvem nossa música que anda doente
Com letras bizarras, parco linguajar
Mandando a criança descer e quicar
Sem ter conteúdo nem ter poesia
Aquecendo a indústria da pornofonia
Poluindo as ruas, a terra e o ar.

(Hélio Crisanto)

ATRAVÉS DO APAGÃO EU VI O CÉU ESTRELADO (Zé Ferreira)


Mote do poeta Vivaldo Costa
Glosas: Zé Ferreira

Ontem faltou energia
Num trecho desse Brasil
E a noite, num véu anil,
Chegou envolta em magia.
A lua, calma, saía
Lá do seu "quarto minguado"
Num transparente bordado
Adornando a vastidão
Através do apagão
Eu vi o céu estrelado.

Faltou eletricidade:
Mais um dos muitos sinais
Que as reservas naturais
Perdem a capacidade.
Percebo a humanidade
Num curso desenfreado
Depalperando o legado
Da obra da criação.
Através do apagão
Eu vi o céu estrelado

Em muitos causou lamentos
A falta da energia
Em mim causou alegria
Pois vivi uns bons momentos
Coloquei alguns assentos
Num alpendre gradilhado
Esposa e filhos sentados
Partilhas e violão
Através do apagão
Eu vi o céu estrelado.

Sanoite, sem enegia,
Nois num ligou a TV
Eu dixe: vem cá, Maria!
Ela gritou: "qué o quê?"
- Rumbora fazê minino?
Mas ela disse, "tinino"
"Faste pra lá, abestado"
Sem ter outra solução
Através do apagão
Eu vi o céu estrelado.

(Zé Ferreira)


ESSE AMOR NÃO EXISTE NA RUA DO CAJUEIRO (Ramilton Marinho)

Texto envolvente do Professor Dr. Ramilton Marinho, contista conterrâneo e bom hipnólogo também por via escrita. Nada menos que a nota máxima! - Gilberto Cardoso dos Santos


ESSE AMOR NÃO EXISTE NA RUA DO CAJUEIRO

Quando chegamos á rua do cajueiro era dia desde o outro lado do mundo e as meninas, em trajes civis, ao ouvirem Lindomar Castilho choravam por um amor que ali nunca poderia existir.
Lá fora viam passarem arrastadas, pela mesma estrada do cemitério, horas longas e desertas, pois quase tudo ali era mato, fazendo aquela rua de casinhas desiguais parecer um oásis melancólico sob o peso inclemente do sol, afugentando qualquer freguês de bom senso, com exceção de seu Policarpo que, ao caminho do roçado, vez por outra e sem previsão, rasgava os pneus do jeep, descia apressado, deixando a porta do carro aberta, o motor soluçando, para ir à procura da primeira mulher que o conduzisse a um alívio rápido:
- Ta fazendo o quê menina? - perguntava jogando o chapéu na cadeira e abrindo a braguilha.
- Nada não, seu Policarpo – respondia.
- Então vamos pra p..., vamos pra p...., vamos pra p... – ordenava enquanto a arrastava, submissa e suada, ao quarto vazio.
Portanto, a impressão que se tinha durante o dia era a de que a realidade dependia fundamentalmente da rotação do planeta. Pois bastava a noite se anunciar no horizonte para a rua do cajueiro mergulhar em outra dimensão, com a sua aura de luz difusa vibrando ao som das radiolas.
Na sala da casa de Elvira os casais dançavam como se fossem namorados e, em coreografias perfeitas, Zé Fabilicio deixava os seus passos se perpetuarem até quando não mais houvesse música pra tocar; enquanto no balcão bebiam solitários aqueles cujo erro de morte foi o de se apaixonar por uma mulher da vida. Na mesa da cozinha serviam café e falava-se sobre coisas do mundo real, mas mesmo essas banalidades cotidianas – talvez pelo efeito dos perfumes baratos, dos brilhos de mentira, da fumaça dos cigarros e do fulgor dos sorrisos levianos – ganhavam um puro argumento de irrealidade.
Sem dinheiro, nós ficávamos do lado de fora observando e prevendo o movimento da noite. Talvez o macho de Dorinha ainda chegasse a tempo de arrastar o camarada de cima dela? E quem sabe, Edileusa, embriagada e solidária, viesse pra nos mostrar os peitos em troco de nada? Provavelmente irrompesse o delegado Tranca-rua para determinar a lei do silêncio e cobrar o seu soldo de cafetão da lei? Será que no quarto tosco e sem janela a Gringa, vestida apenas da sua nudez sobrenatural, já provocara no cliente uma irreprimível vontade de chorar? É possível que aquele cliente novo e obstinado já estivesse aturdido com Maria das Virgens, por lhe aparecerem mais roupas debaixo de cada peça retirada, até nunca mais ficar nua? E Nice Fogaréu - cujo sexo em brasa queimara mais ilusões que pecados - já teria deixado em chamas o colchão novinho? Porventura, Rita do Bofete ainda estaria sóbria e mansa ou, tempestuosa, já arrastava a peixeira anunciando emboança?
Com inveja, vimos Carlos Damasceno – sedutor precoce e perito em arrastar da gaveta notas de cruzeiro na bodega do pai - atravessar a rua de mãos dadas com Rosa dos Prazeres, uma negra nova de alma velha, descendente do reino da Núbia e, por artes do destino, estabelecida num cabaré em Barra de Santa Rosa. Ela era a dona do corpo mais bonito e do amor mais prodigioso que um cristão honesto podia experimentar sem desejar a morte. Algo que não ocorreu a nenhum de nós naquela época foi perceber que nos braços daquela negra deslumbrante os fregueses perdiam toda noção do mundo; de forma a não perceberem quando as tempestades chegavam inundando tudo com uma avalanche de sapos da lagoa e peixes lunares a flutuarem pela luz molhada dos postes; a não ouvirem os tiros, nem as brigas de soco e de faca debaixo do cajueiro; a não se renderem a lei do silêncio estabelecida pelo delegado e por sua trupe de guardas-noturnos desanimados.
Para nós, contudo, o mais desejado, e ao mesmo tempo temido, eram as novas meninas, surgidas no ruge-ruge das segundas-feiras com as suas blusinhas tomara-que-caia de cores fortes, com os seus peitinhos de limão e um senso de liberalidade mais elástico do que as interdições ali impostas; mas também pressagiando as mais cruéis doenças do mundo, sobre as quais nenhum controle dispúnhamos, além de um limão antes, um caldo de cana depois, e uma oração apócrifa de São Cipriano recitada durante o calor do gozo fatal.
Por isso, e pela escassez monetária, acabávamos ficando mesmo com as mais velhas, mas também as mais sábias e pacientes. Com elas, era possível desvendar os segredos, os gostos e as doenças de todas as outras; enquanto aprendíamos as regras do Kama Sutra, cujos princípios não se transmitiam apenas por dinheiro, mas por pura fé na humanidade. E, complacentes, ouviam nossos desabafos sobre os namoros acabados e paixões desfeitas, além das queixas contra o governo de merda. Porém, todas elas sempre negaram que o sargento Tranca-rua fosse um agente da ditadura. “Ainda que fosse da ditamole” diziam num misto de inocência política e sabedoria da vida real - aquelas mulheres tão fáceis de compreensão e ensinamentos.
Cada um de nós já tivera há pouco o seu momento inaugural, ansioso e perdido, na penumbra vermelha de quarto mágico, vendo a dama dos sonhos com o domínio de uma vocação ancestral, abrir o lençol de flores tristes sobre a cama e nos orientar, enquanto se despia, para manter a calma, retirar os sapatos e os óculos antes de subir ao altar do leito, e alertar que aquela jarra e bacia de ágata não eram próprias para lavar o nosso rosto, mas para higiene das suas partes íntimas e, por fim, cuidar para os carinhos parecerem reais e os gemidos quase verdadeiros, pois deles nos tornaríamos crédulos reféns até o final das nossas vidas.
E estavam certas. Daí por diante ficávamos irremediavelmente presos aos prazeres secretos da rua do cajueiro. Algum de nós já nem conseguia jantar e chegava à boca da noite mastigando um pão; outros ainda se permitiam um arrodear na praça, jogando conversa fora no coreto, e outros esperavam até as dez horas, tempo suficiente para deixarem em casa a namorada virgem e atormentada. Todavia, diariamente, juntos ou separados, passávamos nos esgueirando pelas ruas paralelas, atravessávamos os atalhos no meio de mato, agave e chiqueiros de porcos, para mergulhar no mundo magnífico que só tinha tradução nas músicas de José Ribeiro e Bartô Galeno.
Na maioria das vezes, nos reuníamos em rodas animadas para observar, comentar e aguardar o desenrolar de tudo que fosse e não fosse previsto naquela zona repleta de incertezas; mas também compartilhávamos bebida e política, embriagando-nos de cachaça e utopia em mesas eternas nas quais, em tempos de casa fraca, as meninas chegavam pra nos fazer companhia. Contudo, o mais esperado era, com o saldo do dinheiro ajuntado, poder regatear horas românticas de um amor alugado.
Na madrugada de um junho frio e enevoado eu havia ficado até mais tarde gastando os últimos centavos em doses baratas ao pé do balcão, repetindo mais uma vez o disco novo de Amado Batista, talvez para abafar, do outro lado da cortina, os gemidos da princesa de cabelos pintados, olhos límpidos e sorriso triste, por quem já havia gasto, em noites sucessivas, tudo que era possível ter e tomar emprestado, além de um pingente banhado a ouro, presente de aniversário, trocado apenas por um amasso. Com juras impossíveis e promessas inalcançáveis, julgava-me irrevogavelmente preso ao mais verdadeiro e mais caro amor da minha vida.
Perto do amanhecer, Iracema serviu uma última dose, grande o suficiente para que enquanto eu a bebesse ela pudesse lembrar a tragédia do soldado maldito que, pela traição anunciada, saiu matando gente e animais de rua, para ser capturado por um falso grupo festivo, tocando fole e bebendo na boca da mesma garrafa, na carroceria de um caminhão que o levaria para o último destino da morte completamente desfigurado. Fez rememorar sobre o jovem amigo, cujo orgulho ferido o fez atirar por vingança entre as pernas da amada e, por graça da intercessão de São Valentim e de uma pontaria danada de ruim, ficara livre de maiores padecimentos. Recordou dos velhos agonizando no choro de dor e de prazer apreciando as suas jovens amantes consumidas por carinhos que já não eram mais os seus.
E assim, depois de uma longa pausa, com gestos maternais e uma convicção quase triste, ela recomendou:
- Pare de encher os chifres de cana, porque esse é o único amor que nunca vai existir na rua do cajueiro.
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* Minha homenagem aquelas meninas, mulheres, guerreiras da paixão e do tempo; mães secretas de todas as dores e alegrias e donas absolutas do único amor que deveria existir sempre em todos os lugares e não apenas na rua do cajueiro.

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Ramilton Marinho Costa e Doutor em Sociologia e Professor Titular da UFCG

quinta-feira, 15 de março de 2018

CASO WALESKA E SUA FILHA NA UFRN - CARTAS ABERTAS de Alipio DeSousa Filho e Pedro Germano Leal

Alipio DeSousa Filho, Cientista Social, professor da UFRN
CARTA ABERTA DO PROFESSOR ALÍPIO
Desde seu surgimento – nos séculos XII e XIII –, as universidades têm sido atacadas de muitas maneiras. No dizer de Kenneth Minogue, uma verdadeira “tradição de ataque à universidade” constituiu-se, variando as épocas e os interesses. Com o autor, podemos dizer que a história da universidade é a de uma instituição incompreendida, em torno da qual sempre esteve a ideia da necessidade de que ela se adapte a essa ou aquela vontade. Não é à toa que o assunto “reforma da universidade” praticamente nunca saiu de pauta. Somente poderemos sair dessa “tradição de ataque à universidade”, incompreendida em sua natureza específica, se conseguirmos sustentar um ideal de universidade e assumirmos sua defesa. Na relação com a sociedade, nós que constituímos a Universidade devemos nos dar essa tarefa, sem nos permitir ser reféns de qualquer que seja a chantagem política ou ideológica, venha de onde vier.
Mentira contada como verdade
Ontem, uma mentira contada como verdade nos esgotos sociais na cidade de Natal – que alguns chamam de “redes sociais”, e definido pelo pensador Umberco Eco como o palanque dos imbecis; e eu acrescento: o dispositivo dos covardes morais e políticos, muitas vezes escondidos no anominato da escrita de textos sem assinatura – induziu até mesmo meios de comunicação ao erro de divulgarem a notícia da “expulsão de aluna da UFRN de sala de aula”. Não houve nenhuma expulsão e, mesmo depois de entrevistas comigo, alguns órgãos da imprensa (chamada de golpista por todos aqueles que ontem se pronunciavam nos esgotos sociais) cometeram o erro de veicular notícia falsa. O horário de aula pela qual sou responsável vai de 19h às 21h30. Horário no qual a aluna insiste, desde o primeiro dia, levar sua filha criança (de idade em torno de cinco anos), e, apenas após o encerramento da aula, abordei o assunto, orientando a aluna a não mais trazer a filha à sala de aula. Não há como se falar de “expulsão”, tratando-se de assunto que não foi abordado no início da sessão, mas no seu final, e tendo a aluna e mais apenas três colegas saído da sala, em seguida não terem tido a palavra franqueada por mim, pois não torno minha sala de aula lugar do assembleísmo populista no qual estudantes pretendem decidir sobre todas as coisas em formato de votação, plebiscito, até mesmo conteúdo de disciplina, e, pasmem, até mesmo o que pode um professor dizer em sala de aula. A saída de alguém de um recinto por desejo próprio, por insatisfação, não constitui expulsão! Temos aí uma mentira contada como verdade.
E mais: não se torna admissível que uma criança permaneça em sala de aula, durante todo um semestre letivo, como é o pleito atual da estudante, em horário noturno, para ouvir aulas de sociologia para adultos. Uma disciplina, como todos as demais em ciências sociais, em que são abordados assuntos que em nenhuma sociedade no mundo são apresentados para crianças. Tal é que, exceto às sociedades tradicionais ou indígenas, a educação escolar nas demais é dividida em séries, etapas e instituições específicas, correspondentes ao grau de maturidade de crianças, jovens e adultos no processo de aprendizagem. Aqueles que estão defendendo a presença de crianças em sala de aula mostram-se estúpidos, ridículos, canalhas populistas, querendo “causar” e aparecer à falta de poder ser reconhecidos como verdadeiros pesquisadores e intelectuais públicos. Vamos ver como serão as aulas deles com dez ou vinte ou cinquenta crianças em sala de aula e vamos ver se os demais estudantes, que não estarão de acordo com isso, admitirão o fato. Ora, será assunto para Ministério Público, Vara da Infância e Juventude e Judiciário! Mas somente nas Humanas da UFRN tal ideia aparece. Muito certamente professores dos centros que trabalham com equipamentos, máquinas, experimentos, líquidos, gases ou animais não deixarão crianças agirem ao bel prazer delas e de suas mães! Tô pagando para ver!
A universidade em ritmo de barbárie
O título acima é do filósofo Arthur Giannotti. No seu livro, de algumas décadas atrás, ele já anuncia o risco da destruição da Universidade. Pois bem, falarei aqui da destruição que já vem sendo perpetrada pela prática de certos professores e certos estudantes, muitas vezes com a omissão dos poderes constituídos das Universidades e mesmo do Estado brasileiro. Vou aqui me deter apenas nos exemplos do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da UFRN, no qual sou professor desde 1992.  Ali, naquele centro, um pequeno grupo de estudantes, que autoritariamente pretende impor-se aos demais, decidiu que todo exercício da autoridade moral do professor ou da instituição é autoritarismo e conservadorismo. Problemas diversos são colecionados por essa atitude de desprezo pelo princípio basilar de qualquer educação, na qual, em relações assimétricas, professores orientam, ensinam, coordenam, dirigem, pela razão simples que estudantes chegam às Universidades para se formarem em profissões científicas diversas, pelo pressuposto óbvio que, tendo ainda que aprender como agir como profissionais das muitas áreas, a Universidade dispõe de professores para lhes formar.
Nos dias que correm, no CCHLA da UFRN, tem ocorrido que certos alunos, sempre militantes de partidos ou de movimentos sociais, assumiram de questionar não apenas regras da instituição como um todo, mas negarem qualquer assimetria na relação professor/estudante, adotando posturas que vão de interromper exposições de contéudos pelo professor nos primeiros minutos de apresentação de qualquer tema, pela concepção que eles têm o direito de falar a qualquer minuto, sem a paciência de aguardar o razoável de uma exposição preparada com o objetivo do desenvolvimento de disciplinas previstas para esse fim. Não passar a palavra a alguns deles, em seguida que levam o braço, não raro é interpretado como cerceamento da palavra. Ora, há 30 anos sou professor da Universidade Federal brasileira. Minhas aulas as faço utilizando-me do método da exposição dialogada, pelo qual todos os presentes, mesmo ouvintes (o que é comum em minhas turmas cheias; não raro, turmas que contam com pessoas que ali estão apenas para aprender comigo, mesmo não sendo estudantes regulares). Todo o meu horário de aula emprego na exposição de temas previstos e todos têm a palavra facultada, mas numa ordem de inscrição e de razoabilidade de tempo da exposição, que, de outro modo, curso nenhum na universidade tornar-se-ia possível. Todavia, certos militantes tomam isso como uma afronta ao seu direito de não poderem falar imediatamente ao desejo expresso de fazê-lo e pelo tempo que quiserem! Mas isso não é tudo: anos atrás, um estudante das ciências sociais decidiu levar sua cadela para a sala de aula, pretendendo assistir à aula com a cadela no colo. Ao tentar tal em minha sala, foi orientado a sair. No setor II, do Centro de Humanas, estudantes militantes reivindicaram o direito de fumar maconha nos corredores e até mesmo na sala de aula, alguns tendo passado semestres inteiros a entrar e sair das salas para fumar um beck e retornarem “lombrados” para assistirem às aulas. Como professor, defendo a descriminalização das drogas, pelo que de nefasto representa sua criminalização e efeitos inaceitáveis de encarceramento de pessoas por políticas que o Estado brasileiro precisa repensar, mas não assumirei nenhum compromisso com militantes e movimentos sociais de fazer apologia a drogas, nem seu consumo na Universidade. Já experimentei algumas drogas. E importante tê-lo feito, pois, conhecendo-as posso dizer que todas fazem muito mal. E, com o compromisso ético de formar jovens com responsabilidade, digo a todos eles, e digo também em sala de aula: não usem drogas, se resolverem experimentar, não se permitam escravizar por nenhuma delas. Todavia, isso é tomado por militantes nas Humanas como “conservadorismo”. Mesmo o uso da marijuana, erva que pode ser utilizada para fins recreativos e médicos, sabe-se que seu uso demasiado não é saudável, como saudável não é ser alcoólatra.  Mas esses estudantes encontram apoio em certos professores que, usuários de drogas, mas não pesquisadores das drogas (e isso é um outro assunto! E viva a liberdade da Universidade para pesquisas sobre toda e qualquer coisa ou tema), aqueles, usuários, saem fazendo a apologia e até levando seus traficantes-mor para dentro do Campus para a venda de drogas a estudantes. O setor II conhece um deles que passeava livremente pelos seus corredores!
Certos militantes sequer estão ali para verdadeiramente estudarem. Alguns que passam anos matriculados na graduação sem nunca concluírem os seus cursos, regressando em períodos diferentes, com novas matrículas, para o puro objetivo da militância política. Outros, com profundo desprezo pela teoria, pelo conhecimento, estudantes relapsos, buscam afirmar-se por meio da retórica política rasa, e pretendem ainda a subordinação de professores em sala de aula aos seus discursos. Alguns que tem a pretensão de ensinar a professores que estão politicamente errados em suas abordagens para assuntos que ignoram ainda, mas todos já “doutores” pela militância cega, pela doutrinação ideológica e partidária, para a qual a Universidade é burguesa, capitalista, sem consideração pelas necessidades das maiorias ou minorias, numa total generalização, negadora de todas as contribuições que a Universidade, no Brasil e em diversos países, tem dado ao desenvolvimento social, econômico e humano, na consideração de diversos assuntos e problemas, por meio de suas pesquisas, estudos. No CCHLA da UFRN, são diários os relatos de professores que sofrem agressões de estudantes a propósito até mesmo da abordagem científica dos assuntos. Alguns professores, por medo, se deixam chantagear, tornam-se refém do populismo político que os encarcera na chantagem vil de “não serem queimados pelos estudantes”. Outros professores há, mas uma minoria, que, usurpando a função de professor, não estando na Universidade como professores mas como militantes de partidos ou movimentos sociais, mas tipos intelectualmente nulos, somam-se aos estudantes militantes para o proselitismo político, para o rebaixamento das ciências humanas, eles próprios professores sem pesquisa, sem produção intelectual, vampiros da insuficiência intelectual de certos estudantes, pelo que se aproveitam para a sua legitimação como “críticos”, “revolucionários”, comprometidos com os movimentos sociais. São estes que, não tendo conteúdos para ministrar, alguns que em qualquer conversa se tornam porta-vozes do vexame intelectual, ocupam-se de, em sala de aula, não dar verdadeiramente aulas, passando o tempo na conversação frouxa, descabida, desrespeitosa com a maioria daqueles estudantes que ali estão desejos do saber. Mas, claro, são professores que usam das pseudopedagogias libertárias ou democráticas em que eles não precisam dar aulas, pois são os estudantes que dão a aula, são democráticos o suficiente para abrirem mão de uma tarefa para a qual, na verdade, não se preparam nem intencionam se preparar: o negócio é fazer política, formar militantes, a Universidade que se dane! Ela é burguesa, ela é capitalista, ela não tem compromissos com os mais pobres…. então, nada de ensino burguês, tradicional, nada do ensino da ciência. Vamos politizar!
Pois bem, não sabem (ou sabem?) eles e seus seguidores estudantes que o que fazem é destruir a Universidade, ajudando ao projeto daqueles que, reacionários, não querem ver a educação para a ciência conduzir jovens para um patamar superior de conhecimento, para sua desalienação, para sua autonomia, e, com isso, emancipação da sociedade. Preferem o achincalhe e a promoção do desprestígio da ciência e da Universidade porque não sabem fazer outra coisa. Mas, ontem, como não utilizo esgoto para me pronunciar, amigos em enviaram várias das coisas mentirosas que circularam e pude ver que, entre outros, lá estavam certos tipos, professores da UFRN, pousando de feministas, defensores das mulheres, apoiadores de lutas sociais, mas que boa parte da comunidade universidade os reconhece como assediadores sexuais de alunas e professoras, chantagistas e aproveitadores da vulnerabilidade de mulheres bolsistas. Que somente ainda não foram processados por medo de alunas e professoras de denunciar um gângster. Outro, que escrevia suas bravas, um ladrão do dinheiro coletivo, amplamente denunciado dentro da UFRN, um outro, suspeito de compra de equipamento para movimento social com dinheiro da UFRN, e mais outros tantos cujas práticas como professor não permitiriam que pousassem de bacana. Mas, certamente, muitas pseudofeministas (e não as verdadeiras feministas que me conhecem) ficaram muito alegres e vibrantes com a solidariedade do assediador de mulheres que ontem manifestava-se do seu esgoto, tal como uma ratazana.
Recentemente, também pelos esgotos das ratazanas, colega meu da ciência política teve tentativa de destruição de sua reputação, acusado de mentiras no desempenho de membro de uma banca de concurso para professor no nosso departamento. Os detratores respondem ação na Justiça. E mais recentemente ainda, três colegas foram agredidos por meio de áudios de Whatssap e em postagens em facebook por candidata insatisfeita com sua reprovação em seleção pública de bolsa de PNPD/CAPES. A dita cuja candidata chamou em postagem pública o coordenador da Pós-Graduação de Ciências Sociais de “escroque” e de adulterar de resultados imaginados. Ora, chegamos ao ponto que reprovação em concurso não é mais algo esperado por candidatos? Então, todos que se inscrevem terão que ser aprovados? O reprovado vai ter direito a agredir e caluniar as bancas? A Universidade, até aqui, não defendeu meus colegas, em nota pública, e não tem feito em nenhum caso, deixando a todos nós professores sem a retaguarda de sua defesa, inclusive no âmbito jurídico.
Eu, como muitíssimos outros colegas, construímos a Universidade brasileira com o compromisso de fazer dela um centro de excelência de produção do saber teórico-filosófico-científico e de formação de estudantes em alto nível. Minha história de produção intelectual é pública, basta que se veja tudo o que há registrado em e sobre o meu nome em diversos meios hoje disponíveis. Minha honra e autoridade moral e intelectual não será destruída por um bando de nulidades intelectuais, desonestos e covardes morais e políticos, sem espinha dorsal, curvados a todos os populismos políticos que pressionam a Universidade na tentativa de vê-la naufragar na sua desmoralização total e na sua destruição. A Universidade, já escrevi diversos artigos e um livro sobre o assunto, é uma das mais belas invenções humanas, e um bem social que precisa ser preservado. Mas, é fato, que pode, se deixarmos, ser destruída por aqueles que, na desfaçatez, falam como se fossem seus bravos militantes, mas que mais não fazem que uma caricatura de produção do conhecimento, que mais não fazem que usarem do privilégio de altos salários (que são os nossos! O menor 10 mil e o maior 20 mil… e isso é preciso que a sociedade de baixos salários, que é a nossa, saiba! E muito obrigado aqueles que divulgaram o áudio com minha fala em sala de aula: ela é uma fala em defesa da valorização da universidade pública brasileira, mantida pelos impostos sociais, retirados dos rendimentos de todos, alguns que sequer têm seus filhos ali… mas certos, que ali estão, sequer a valorizam e valorizam seus professores) para ações que não correspondem a contratos de dedicação exclusiva. Professores há na universidade que, com contratos de dedicação exclusiva, o que eleva nossos salários, entram e saem da instituição sem qualquer trabalho de pesquisa ou extensão. O pouco que fazem é ministrar aulas porcas, que em qualquer universidade no exterior não permaneceriam um mês na instituição. Na sociedade de baixos salários que é o Brasil, em que 66% da população tem renda familiar de até apenas 2.500 reais, professores universitários ganham salários que faz que estejamos numa faixa de apenas 13% da população. Porém, certos professores e certos estudantes não enxergam isso como algo a valorizar.
 A UFRN tem políticas de amparo a estudantes
Outra mentira difundida como verdade é que a UFRN não tem programas de amparo e assistência estudantil. Há, sim, diversos programas: bolsa creche (aliás, a aluna do caso não faz uso dessa bolsa por qual motivo?), auxílio moradia, auxílio alimentação, residência universitária, bolsa de iniciação científica, bolsa de monitoria, bolsa PET, entre outros exemplos. Se a UFRN não tem uma creche, certamente não é por falta de desejo de seus dirigentes atuais ou anteriores. Alguma razão orçamentária deve existir para tal. Mas o que não interessa a militontos (não é erro de digitação, é isso aí mesmo: militontos!) saber. São os mesmos que acham que o Estado brasileiro tudo pode e deve assumir, sem cálculos, sem planejamento e mesmo sem as condições dadas para tal. Luta por creche? Justíssima! E não é uma luta apenas de mulheres. Mas de homens, gays e lésbicas que têm filhos! Mas, até aqui, em todos os meus anos na UFRN, não vi nenhum movimento ou entidade levantando a bandeira da creche! Não vi nenhuma luta consistente sobre tal. Mas não se pode transferir para a administração de cada professor, em sala de aula, problemas estruturais cuja natureza requer outro tratamento. Imagine-se termos, como professores, que se haver com todos as demandas particulares de estudantes em horário de aula?!
Todos e todas aqueles e aquelas que foram meus alunos sabem bem da qualidade de minhas aulas, e sabem também do meu respeito e estima pelos estudantes. Meus orientandos de graduação e pós-graduação sabem bem como, com eles, construo o conhecimento. Aqueles que ontem estavam nos esgotos sociais acusando-me de “autoritário” deveriam assumir a decência de frequentarem minhas aulas, palestras, seminários. Ou ter a coragem de ir ao meu gabinete pessoal na UFRN para conversar diretamente comigo e, com isso, perceberem o quanto a desonestidade e propósitos políticos vis, orquestrados por partidos políticos da cidade e quadrilhas políticas de conhecimento nacional, que alguém como eu tem coluna vertebral ereta, que não se curva a populismos nem a chantagens políticas, e que não se abala com acusações de mentirosos e mentirosas que se comprazem na baixeza para ataques políticos cuja valor e dimensão é da monta de um invisível grão de areia! É também de conhecimento público o meu empenho em defesa de estudantes, em todos os tempos, submetidos a violências por certos professores. Em diversas situações, auxiliei alguns deles com atos públicos e políticos ou no acompanhamento do desconsolo emocional, de muitos modos protegendo-os de mais violências. Poderia fazer pública a lista destes estudantes, mas, para protegê-los em sua intimidade, evito de fazê-lo.
Não me cansarei de repetir Karl Jaspers: “Se a universidade naufraga, a sociedade e o Estado naufragam juntos”! Estou no navio da Universidade, com muito mais colegas, para evitar o seu naufrágio e para mantê-la viva, autônoma e livre de qualquer subordinação ignorante! E venha de quem vier!
Carta Aberta ao Prof Alípio de Sousa Filho,
Como egresso da UFRN, sempre fui um admirador do seu posicionamento acadêmico e político. Por isso, foi com profundo estranhamento e tristeza que eu tomei notícia dos recentes acontecimentos, em que você expulsou e repreendeu uma de suas estudantes por estar em sala de aula com a filha.
Uma vez que você tem dado aulas sobre gênero, você sabe melhor que muitos (embora talvez não tanto quanto ache), que homem não é feminista. Ele não deve tomar para si uma luta que é das mulheres. Mas ele tem o dever de ser anti-machista. Sabendo do que ocorreu, portanto, é minha obrigação intelectual lhe escrever.
Na verdade, a expulsão já seria algo suficiente para motivar minha carta, mas quando eu ouvi o áudio (que você agora diz ser “maravilhoso”, em reportagem do G1 sobre o episódio), eu fiquei francamente estarrecido. Não apenas com o episódio em si, mas com a precariedade dos argumentos que você tentou utilizar para se defender, que não condizem com as credenciais que você mesmo faz questão de ostentar. E pelo fato de você não ter aproveitado tal oportunidade para se desculpar e reperar o episódio.
Em primeiro lugar, você citou Harvard, Cambridge, Oxford, e universidades “na Europa”, como instituições onde mães não levariam suas crianças para as aulas. Chegou ao ponto de mencionar seu salário, de 20 mil reais, que é praticamente 20 vezes o salário médio de 60%+ da população brasileira, como um exemplo do respeito “moral” que os estudantes devem ter pela instituição. Pois bem, se nessas instituições as jovens mães não precisam levar seus filhos, é porque elas têm mais recursos e auxílio institucional! A sua incapacidade de perceber a relação óbvia entre esses dois dados é absolutamente chocante.
Para citar as universidades britânicas, qualquer estudante/mãe recebe até 600 reais (£159.59) por semana, por filho, como ajuda de custo (o ‘childcare fund’ custeia 85% dos custos das crianças, a menos que as mães tenham outros meios). Aliás, pais que sejam estudantes tem direito a mais 6 mil reais (£1,508) por ano para gastarem como bem entenderem. E não estamos falando nem do direito a habitação (‘housing support’) ou da política de distribuição de renda (‘benefits’). E você vem nos falar em 100 reais que a UFRN oferece em chamadas anuais?
Aliás, basta consultar a internet para saber que os ricos (para os parâmetros europeus, veja lá) ficam com 80% das vagas em Oxford e Cambridge, que você cita como referência. Olhe a seu redor, Alípio, você não está (nem esteve) em Cambridge, e é constrangedor que eu tenha que dizer isso.
Mais além, você não fala pelas instituições estrangeiras que cita, uma vez que não leciona nem atua nelas. Portanto, o argumento de autoridade é extremamente frágil. No entanto, como a minha experiência nas mesmas é muito mais ampla que a sua (embora você goste de medir seu prestígio referindo-se à essas universidades, para mim é constrangedor e só o faço para fins de refutação), posso afirmar tranquilamente que se você reagisse contra uma mãe e sua criança em sala de aula, como o fez na UFRN, em uma universidade européia (sobretudo no Reino Unido), você seria demitido – não importando a imagem que você faz de si mesmo, sem grande modéstia. É absolutamente impensável para um professor britânico se dirigir aos estudantes com os termos que você utilizou. Impensável.
Quão difícil teria sido buscar uma solução junto ao departamento, procurando informações que pudessem ajudar essa mãe? Se não houvessem, quão melhor seria aproveitar essa oportunidade e, junto às estudantes, pleitear soluções? Quão difícil seria conversar com outras alunas e professoras mães que já passaram por situações parecidas, ou pedir a interferência delas? O salário que você recebe não merece esse esforço?
Moralmente—já que você quis falar em moral—uma mãe solteira, periférica, que batalha para fazer seus estudos e precisa levar sua filha para uma universidade pública, estão muito, mas muito mais além dos limites do seu suposto desconforto que, aliás, não tem nada a ver com o bem estar da criança, sejamos francos. Aliás, é de espantar que você levante uma questão moral para discutir um fenômeno obviamente sócio-econômico—parece subitamente esquecer a natureza de sua própria disciplina e de seu rigor intelectual (uma vez que seu posicionamento é diametralmente oposto àquilo que escreveu). Convém ainda que você não use seu prestígio para tentar dar um verniz acadêmico a proposições falsas: sou filho de um professor universitário que me levou às aulas e isso não teve o menor impacto negativo no meu desenvolvimento cognitivo – muito pelo contrário. Ne ultra crepidam, Alípio!
Ameaçar processar essa mãe, utilizar seu prestígio para destruí-la (em uma instituição em que alguns professores estão habituados a mandar e desmandar em seus pequenos e irrelevantes feudos), é de uma misoginia grotesca e indesculpável—e nos países que você cita, essas ameaças caracterizam crime (bullying e harassment). Transcrevo com horror algumas de suas palavras: “ela encontre uma rede de solidariedade para cuidar da criança. Não consegue essa rede de solidariedade? Repense sua vida. Não tem que estar fazendo Ciências Sociais, não tem que estar estudando na universidade. Você só faz isso se tiver condições. Agora não vai impôr à instituição coisas que não são assimiladas pela instituição (…) 'ah, eu sou pobre, não tenho'. Problema seu, a universidade não tem problema com isso, se vire”). No quê esse seu discurso supostamente “meritocrático” mas que se mostra classista e machista, diferencia-se do discurso de um Bolsonaro? Leia de novo suas palavras e reflita sobre isso. Não percebe que o mesmo pode ser utilizado contra você? Por exemplo, com o investimento que o governo faz no seu salário, ar-condicionado e internet, você deve ser obrigado “moralmente” a não falar mal do governo? Faz sentido, isso? Por medo da resposta, já adianto: não, não faz sentido. E por uma questão de civilidade, eu vou lhe poupar de dizer quem é que eu acho, neste contexto, que não deveria “estar fazendo Ciências Sociais”.
Se a moral e a universidade pública realmente lhe importam, se você quer mesmo fazer jus ao seu salário de 20 mil reais, o mínimo que você pode e deve fazer é se desculpar publicamente com essa mãe e buscar reparar esse episódio vergonhoso com um empenho pessoal em tratar da questão de mães e filhos pequenos dentro da instituição—incluindo a elaboração de um pequeno manual/cartilha para explicar a questão das crianças em sala de aula para professores e alunas.
Como a UFRN não é dada à auto-crítica, e os professores frequentemente se protegem por corporativismo, terei que ser uma das vozes isentas a te dizer o que seus alunos talvez tenham medo, pelo abuso sistemático que sofrem nesta instituição. Tuas credenciais como militante e estudioso são irrelevantes para te defender de ter agido de maneira misógena, mas elas me dão esperança de um gesto seu, para transformar esse lamentável episódio em algo positivo para essas mães.
À mãe que foi expulsa da aula, eu quero dizer que acredite nos seus estudos. Que não deixe esse triste episódio te abater: confie na sua força e no apoio de outras mulheres. A universidade é o seu lugar, e o que aconteceu só prova a importância que você—e a sua filha—tem nesse espaço (e em todos os outros espaços).
Feliz Dia da Mulher,
Pedro Germano Leal
(francamente, não tenho o menor interesse em usar meus títulos e filiação profissional para validar algo que eu digo)

quarta-feira, 14 de março de 2018

VIVA A POESIA, VIVA OS NOSSOS MESTRES (Hélio Crisanto)


VIVA A POESIA, VIVA OS NOSSOS MESTRES Venha ver a grandeza do repente Nas estrofes de louro e de Pompílio Vila nova, Geraldo e Otacílio Moacir Laurentino e Zé Vicente Oliveira com a voz tão eloquente João Furiba com pinto de Monteiro Zé viola, Valdir, Silvio Granjeiro Um poeta tão nobre e alma fina Venha ver a cultura nordestina Decantada na voz de um violeiro Repentista sagaz nunca se enrola Quando pega no braço do seu pinho Canta leve que nem um passarinho Açoitando nas cordas da viola Sem estudo na vida, sem escola Mas às vezes inspira o seu parceiro Não reclama se tem pouco dinheiro Ou se o pé de parede é numa esquina Venha ver a cultura nordestina Decantada na voz de um violeiro Venha ver nosso mestre Zé Cardoso Os galopes cantados por mocinha Zé Ronaldo cantando com Zuzinha Num martelo cadente e glamoroso Zé Galdino poeta primoroso Ninguém ganha jamais em seu terreiro Grande Helânio poeta catingueiro Mais um vate de alma campesina Venha ver a cultura nordestina Decantada na voz de um violeiro Caetano faz versos com magia Dos novatos Felipe um grande nome Edvaldo Zuzu não tem quem dome Se estiver inspirado em cantoria Fabião conquistou sua alforria Rabecando, cantou pra fazendeiro João Santana um grande timoneiro Sempre ativo se a arte se declina Venha ver a cultura nordestina Decantada na voz de um violeiro
Abra a alma para ouvir Sebastião Entoando conselho ao filho adulto Severino Feitosa mais um vulto Na história dos grandes do sertão João Batista Siqueira foi cancão Tinha a fama de um vate condoreiro João Lourenço poeta tão ligeiro Aos gigantes do verso se aglutina Venha ver a cultura nordestina Decantada na voz de um violeiro.

Hélio Crisanto

domingo, 4 de março de 2018

O DEDO DE UM JOGADOR COMOVE O PAÍS INTEIRO


Da lavra de Pedro Paulo Paulino, poeta popular e morador da Vila Campos, no interior do Canindé:


O DEDO DE UM JOGADOR
COMOVE O PAÍS INTEIRO

Jornais, rádio, internet,
Canais de televisão,
A imprensa brasileira
Volta completa atenção
Para um fato aterrador:
O dedo de um jogador
Comove toda a nação.

Dedo mindinho do pé,
Que num momento infeliz,
Jogando bola distante
Na cidade de Paris,
Foi de repente atingido,
E o fato só tem sido
A desgraça do país.

A pátria inteira parou
Com esse acontecimento!
Um dedo do pé direito
Vem causando sofrimento
A milhões de brasileiros:
Prantos, gritos e berreiros
Se ouve a todo momento!

A imprensa, sempre atenta,
Não guarda nenhum segredo.
Doutores de gabarito
Acordaram hoje cedo,
Para uma junta formar
E com cuidado operar
Durante o dia esse dedo.

Não faltam, para esse membro,
Cuidados especiais,
Que será tratado em um
Dos melhores hospitais
Do Brasil e o mundo inteiro.
Coisa pra quem dinheiro
E fica em Minas Gerais.

Reportagens, todo o tempo,
Estão a noticiar.
Na hora da cirurgia,
Todo o Brasil vai parar
Para ver o que acontece
E muitos vão fazer prece
Pelo dedo do Neymar.

Segundo comunicou
O velho José Simão,
Vai ter cobertura ao vivo
Em toda televisão;
A Globo até vai mandar
Ao local, pra comentar,
O baba-ovo Galvão.

Porque, segundo a notícia,
Quando o fato aconteceu,
Uma equipe logo veio
E o atleta socorreu,
Mas naquela ocasião
Foi o rabo do Galvão
O lugar que mais doeu!

Violência no país,
Ninguém quer mais comentar;
Eleições pra presidente,
Nisto nem é bom falar;
O assunto agora é
O dedo “mindim” do pé
Do tal jogador Neymar

Que tragédia pra nação!
Que comoção e que dor!
Toda a mídia brasileira
Dirigiu seu refletor,
Entre fevereiro e março,
Para o quinto metatarso
Do pé desse jogador!

Já pensou se esse dedo
(Deus o livre, credo em cruz!)
Tivesse que ser tratado
Pelos hospitais do SUS,
Onde só tem assistência
Da divina Providência
E os milagres de Jesus?!

O dedo que foi comprado
Por quase um bi de reais
(Nem mesmo o dedo de um santo
Vale tantos cabedais!)
Não é um dedo comum
E será tratado em um
Dos melhores hospitais.

Reforma da Previdência,
Mil tributos a pagar,
Inflação, custo de vida
Só subindo sem parar,
Massacre à população,
Mas nada chama atenção
Como o dedo do Neymar!

Falcatruas no Congresso,
Um presidente impostor
Metendo sem pena a faca
No povo trabalhador,
Rede Globo intolerante,
Mas nada é mais importante
Que o dedo do jogador.

Enquanto houver gente besta,
Sabido não vai faltar.
Há milhões de brasileiros
Morrendo de trabalhar
Numa pátria corrompida,
E a mídia comprometida
Com o dedo do Neymar!...

PPP
03/03/18

PRA VOCÊ QUE É DE CUITÉ (Gilberto Cardoso dos Santos)



PRA VOCÊ QUE É DE CUITÉ 
(Gilberto Cardoso dos Santos)

01
Você diz que é de Cuité
Mas nunca ouviu poesia
Na voz de Zé Luzia
Nem conheceu Zé Badé
Nunca foi no cabaré
Lá no morro do Tauá
Nunca treinou com Tatá
Nunca bebeu em Braulino
Não conheceu seu Quinino
Nem Teresa do Fuá.
02
Nunca escutou o fungado
Da fala de Gabirão
Chamando tu de bichão
Nem foi em Assis Furtado
Duvido tu ter cortado
Cabelo em Zé Anulino
Na lagoa de Juvino
Nunca andasse de jangada
E nem comprasse cocada
Na bodega de Justino.
03
Não ouviu nenhuma vez
O Rei do Bico tocando
Nem Bichinho rebolando
Cantando em perfeito inglês.
Não comprou em Milanez
Não viu Dick, o sábio cão
Rugindo igual a um leão,
Depositando dinheiro,
Nem viu o bode Ribeiro
Bebendo ao pé do balcão.
04
Com certeza não jogou
Na banca de Menininho
Na Farmácia de Bastinho
Nunca um xarope comprou.
Nunca assistiu um bom show
No Salão Paroquial
Não estudou no Vidal
Nem ouviu Natanael
Recitando algum cordel
Em um boteco local.
05
Na Casa Sem Nome entrou?
Comprou a Zé Cleodon?
Cacá, no carro de som,
Alguma vez escutou?
Alguma vez se assustou
Quando voltava da escola
Ao ver Maria Pachola
Ou correu de papa-figo?
Teve medo de Pirigo?
No Paxacão, jogou bola?
06
Fale de Antônio Frazão,
Da bodega de Romeu;
De Romildo, filho seu
Severino, seu irmão.
De Otílio, em sua missão
Vigilante eficiente
E do doce de Vicente,
Será que você provou?
Se nada disso alcançou,
Lamento profundamente.
07
Você já ouviu falar
Numa peça envolvente
Onde o Judas, realmente,
Quase veio a se enforcar?
Deu cigarro a Baltazar?
Com Dona Ném estudou?
Camélia o paralisou
Com merecido carão?
Lá em Defa comprou pão?
Quebra-canela, jogou?
08
E da noiva no banheiro
Do Colégio Estadual
Causando susto geral
Você conhece o roteiro?
Tentou ir ao Cajueiro
À procura de mulher?
Me responda, se souber
Se a Dinamérico escutou
Quando na peça exclamou:
“Eis o último chanceler!”
09
“Sou cuiteense da gema”
Diz você que lá morou
Mas será que estudou
Com Amarilis e Dulcema?
E na fila do cinema
Esperou com ansiedade?
No carnaval da cidade
Para o Cuité-Clube ia?
A Nondas, você curtia?
Diga com sinceridade.
10
Você não se fez presente
Quando Francisco José
Repórter, veio a Cuité
E a praça se encheu de gente.
Dick agiu timidamente,
Não foi bom em seu papel.
Mas Antônio Ezequiel
Com isso não se abalou
E até a um peba domou
Sou testemunha fiel!
11
Você conhece Missola?
Talvez não saiba a resposta
Não conheceu Rola-Bosta
Nunca viu Colchão de Mola
Tampouco lhe deu esmola
Nunca ouviu, de forma bruta,
Raja a falar da conduta
Da população inteira
E a repetir: “Brasileira
É tudo filha da puta.”
12
Não ouviu Zé de Nazinha
Apanhando embriagado
Nem um bêbado a ser levado
Por Lourim na carrocinha
Belino esperança tinha
Do filho reencontrar
Você nunca o viu falar
Do seu rapaz importante
Que estava em lugar distante
E rico iria voltar.
13
No Olho Dágua da Bica
Você nunca tomou banho
Nem viu o letreiro estranho
Que ninguém decodifica
Num  milagre que se explica
Uma imagem alguém achou
Biu, zelador,  a botou
Num lugar de adoração
Foi pouca a repercussão
E o projeto não vingou.
14
Você jamais despertou
Com o som nada suave
De algum motor de agave
Que tantas mãos decepou
Nunca se amorcegou
No caminhão de Mistura
Pouco sabe da cultura
De nossa comunidade
Neste ponto em que a saudade
Vira poesia pura.
15
Duvido ter assistido
Lailson, bêbado, a tocar,
“Tornei-me um ébrio” a cantar
No mais perfeito sonido
Seu Miranda conduzido,
Liga engraxando sapato
Zé Afonso em seu recato
Saudando a rico e plebeu
Quem tudo isso viveu
É cuiteense de fato.
16
Conheceu Padre Donato?
Assistiu Frei Damião
No povo dando carão
Pedindo maior recato?
Se é conterrâneo nato
Comprou em Camaraense
Não quero que você pense
Que o quis desmerecer
Apenas quis promover
A memória cuiteense.