sábado, 31 de janeiro de 2015

NO COMÉRCIO DA FÉ - Hélio Crisanto


NO COMÉRCIO DA FÉ JESUS NÃO PASSA
DE UM PRODUTO VENDIDO A PRESTAÇÃO
MOTE: Autor Desconhecido


Numa cena de atos tão cruéis
Um larápio explora seu rebanho
Num teatro de farsa sem tamanho
Rouba a cena e usurpa seus fiéis
Recolhendo dinheiro em seus tonéis
Um pilantra percorre a multidão
E um pastor com voz de charlatão
Vende um lenço suado em plena praça
No comércio da fé Jesus não passa
De um produto vendido a prestação

O sujeito promete ao pecador
Um terreno no céu como morada
Carro novo, chalé, casa quitada
Pra quem entra na casa do senhor
Sob as ordens severas de um pastor
Pede o dízimo em prol da salvação
E um discípulo com cara de babão
Pisca o olho pro chefe e acha graça
No comércio da fé Jesus não passa
De  um produto vendido a prestação

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

AOS CRÍTICOS -

Rogaciano Leite
(1920 São José do Egito/PE - 1969 Rio de Janeiro)

AOS CRÍTICOS

Senhores críticos, basta!
Deixai-me passar sem pejo
Que o trovador sertanejo
Vem seu “pinho” dedilhar...
Eu sou da terra onde as almas
São todas de cantadores
– Sou do Pajeú das Flores
Tenho razão de cantar!

Não sou um Manuel Bandeira,
Drummond, nem Jorge de Lima;
Não espereis obra prima
Deste matuto plebeu!
Eles cantam suas praias,
Palácios de porcelana,
Eu canto a roça, a cabana,
Canto o sertão... que ele é meu!

Pede ó lira inexpressiva,
(Antes que o tempo te empoeire)
Piedade a Gilberto Freyre,
Lins do Rêgo e Álvaro Lins!
Carpeaux! Rachel! Milliet!
Ó donos de suplementos!
Tolerai, por uns momentos,
Cem folhas de versos ruins!

Bem sei que até vos afronta
Esta minha pena rude
Sem talento e sem virtude,
Sem beleza de expressão,
Que devia estar no mato
Entre garranchos e espinhos
Esquecida nos caminhos
Que dormem brancos – no chão!

Contudo, peço licença
Ao majestoso recinto
Para dizer o que sinto,
Para expor o que escrevi...
São retalhos diferentes,
Bordados de várias cores,
Linhas de risos e dores
Do que gozei... e sofri!

Rabisquei de pena solta,
Ora inquieto, ora tranquilo,
Sem fazer questão de estilo,
Sem polir, sem burilar...
Que preconceito de escolas!!!
Arre, com tanta exigência!!!
O que me veio à cadência
Deixei correr, transbordar...

Comecei cantando trovas
Com repentistas nativos;
Depois, por vários motivos,
Vim pra Cidade – de vez;
Troquei a calça riscada
E o paletó de “roda”
Pelo jaquetão da moda,
Colarinho e pince-nez!

Quando deixei as caatingas
E cheguei cá na Cidade,
Diante da Civilidade
Quase morri de um “ataque”
Comecei a ler Castro Alves,
Guerra Junqueira e Tobias,
Catulo, Gonçalves Dias,
Varela, Cruz e Bilac!

E de todos esses mestres
Tive uma influência forte:
Deixei as várzeas do Norte,
Quis subir como um Condor...
Muito mais antes guardasse
Meu estilo e minha escola
Com o mesmo som da viola
De quando fui cantador!

Agora é tarde... impossível!
O contágio da Cidade
Mata a originalidade
E impõe-nos mais o pecado
De ficarmos no entremeio
Deste e daquele reduto,
Com o complexo de matuto
Que quer ser civilizado!

Resultado: não sei como
Publico meu “Carne e Alma”...
Os modernistas, sem calma,
Hão de dizer, mesmo assim:
“– Isso não se usa mais hoje!
Isso é puro anacronismo,
Péssimo condoreirismo,
Pastiche muito ruim!...”

“Esse pobre é um passadista,
Um retardado atrevido,
Que devia ter nascido
Quando Dom Pedro nasceu;
Bem faria se estivesse
Chorando sobre taperas,
Declamando as ‘Primaveras’
De Casimiro de Abreu!”

Mas, que culpa tenho, amigos,
De ter sido um “retardado”
E não ter assimilado
O que a vossa escola diz?
Cada qual faz o que pode...
Pois se estes versos a esmo
São tudo o fiz eu mesmo,
Vo-los dou conforme os fiz!

Como caixeiro viajante
De “drogas” do Pensamento,
– Ora em cima dum jumento,
Ora dentro dum avião –
Eu tenho corrido terras
Durante meses a fio,
Desde o Amazonas ao Rio,
Do Litoral ao Sertão!

Eis a razão do ecletismo
Deste conjunto de “plantas”!
São tão diversas e tantas
As que eu “enxertei” aqui,
Que neste jardim selvagem
O visitante se engana
Entre a flor de jitirana
E o botão de bogari!...

Finalmente, este volume
De tão fraca ressonância
Tanto tem risos de infância
Quanto guerra, fome e amor...
Numa palavra, senhores,
O livro que vos entrego
É como saco de cego:
– Tem feijão de toda cor!...

Fonte:
Livro Carne e Alma

CEPE, 1988 - 3º Ed.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

PÃO E CIRCO - UBIRAJARA ROCHA

ACUSAR JUDAS DE TRAIÇÃO, É MUITO NATURAL,
ELE ENTREGOU O CRISTO PARA A MORTE CRUCIAL!
O QUE DIZER DOS ELEITORES NA VOTAÇÃO IMORAL?
QUE POR CAUSA DE SETENTA REAIS, DERAM O TRISTE AVAL!
O GADO MORRENDO, PESSOAS SOFRENDO E NINGUÉM FAZ NADA!
CADA MICARETA E CADA CARNAVAL PARECE UM CONTO DE FADA.
TUDO CONTINUA ARRASADO, DEPOIS DA FARRA EXAGERADA,
MENOS DINHEIRO NO BOLSO E MAIS GENTE FERRADA!
QUANTO CUSTA UM CARRO-PIPA PRA MATAR A TUA SEDE?
POLÍTICOS DE BOLSO CHEIO SE BALANÇANDO NA REDE!
E O POVO LASCADO, IMPRENSADO CONTRA A PAREDE:
COMO NINGUÉM SOCORRE ...OU PAGA ...OU MORRE!
É A SENTENÇA TRISTE DESSE CRIME BRUTAL:
VENCEM OS CRIMINOSOS DA POLÍTICA IMORAL,
ONDE TEM DINHEIRO PARA ESTÁDIO, MAS FALTA MANANCIAL!
QUAL É A DIVERSÃO ANUNCIADA, PARA ENTORPECER O POVÃO?
VAI TER VAQUEJADA, FORRÓ OU BAIÃO?
MICARETA, BLOCO DE RUA OU DESFILE NO SALÃO?
E AS IGREJAS OMISSAS?
NÃO DÃO OPINIÃO EM SEUS CULTOS E MISSAS?
CONDUZEM PARA ROMARIAS, VOTOS E PROMESSAS.
DIZEM QUE AS SAÍDAS SÃO ESSAS,
PARA OCULTAR A OMISSÃO!
A IMPRENSA AMORDAÇADA,
FAZ UM BARULHINHO DE NADA,
COM POUCA EXPRESSÃO.
A OPOSIÇÃO CORROMPIDA
TAMBÉM BEBE DA BEBIDA
CHAMADA ENGANAÇÃO!
A SAÍDA JÁ ERA, A ELEIÇÃO JÁ PASSOU, VENDERAM A LIBERTAÇÃO!
CADÊ OS VIRGULINOS, OS ANTONIOS SILVINOS
E OS CONSELHEIROS DO SERTÃO?
ONDE ESTÃO OS VALENTES, OS HERÓIS INSURGENTES DEFENSORES DA NAÇÃO?
ESTÃO TODOS COMPRADOS, CORROMPIDOS E ENVOLVIDOS,
PELO MAR DE CORRUPÇÃO!

Boiada sedenta- Carlos Danilo da SilvaTeixeira


La vai o gado sedento
Vítimas da ingratidão
Caminhando ao relento
Pela estrada do sertão.

La vai o gado berrando
Andando no estradão
Com muita sede zombando
Dos rastros da judiação.

La vai a boiada sofrida
Vagando na escuridão
Magra, Pontuda e vivida
A ponto de cair no chão.

São vítimas desta secura
Que tudo na terra mata
A infrentam com muita bravura
sob ameaças da fome ingrata.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Trio Arapuá e Gilberto Cardoso nA Aba do Totoró


Veja, no vídeo abaixo, uma compilação dos momentos em que participamos do programa A Aba do Totoró, veiculado aos domingos, às 10h, na TV Com (canal 57) da Sidy's TV, em Currais Novos. O programa foi transmitido ao vivo em 25.01.2015.


Agradecemos ao poeta e apresentador Sérgio Cleto pelo importante convite


Para ver o programa na íntegra, clique em   https://www.youtube.com/watch?v=qJP85V6Wkdk




Um é porém não parece Outro parece e não é

Não sei ao certo a autoria dos versos abaixo:


Vê-se um sujeito ladrão
Que tem um porte bonito
Outro sujeito esquisito
Que tem um bom coração
Vê-se um padre no sermão
Pregando Deus sem ter fé
E um bebo no cabaré
A Jesus fazendo prece
Um é porém não parece
Outro parece e não é.








Vê-se um homem de riqueza
Mas que deve a todo mundo
Vê-se um pobre moribundo
Pagador sem esperteza
Vê-se um rico com avareza
Que nega até um café
E um pobre no seu chalé
Tudo que tem oferece
Que um é porém não parece
Outro parece e não é






Vê-se um sujeito bem grosso
Bem metido a ser machista
Mas longe da nossa vista
É viado até o osso
Enquanto vê-se outro moço
Gentil que não botam fé
Mas que quando vê mulher
Ele é quem mais comparece
Que um é porém não parece
Outro parece e não é

sábado, 24 de janeiro de 2015

ENTRE UM RAIMUNDO E OUTRO, UMA IRRETOCÁVEL ARTE DA VIDA E UMA BELA METÁFORA DUM AMARGURADO SER! - Naílson Costa




Que semelhança há entre o Mons. Raimundo, grande pároco da história recente de S. Cruz e o eu-lírico do belíssimo POEMA DE SETE FACES, do famoso poeta Carlos Drummond de Andrade ? Nenhuma! Mons. Raimundo era Mons. Raimundo, uma irretocável arte da vida. Já o eu-lírico do Poema de Sete Faces, de Drummond, uma bela metáfora dum amargurado ser. Nesta, Carlos cria um eu-lírico com as penas e vestimentas de suas angústias, de seu universo de solidão, apesar da multidão que o cerca; um eu-lírico carregado de negatividade, melancólico, com flagrantes desajustes sociais e dificuldade de amar, em função de sua lascívia, de seus desejos sexuais exacerbados que atrofiam os mais sublimes sentimentos do amor; um eu-lírico mergulhado na túnica do alcoolismo e de sua embriaguez constantes. Esse eu-lírico exposto nas sete belas estrofes do referido poema induz-nos à mesquinhez interpretativa da fusão entre Carlos e o eu-lírico do poema, criador e criatura, num balanço autobiográfico e verossímil perfeitos, dada a sisudez e descrença nos seres humanos, muitas vezes externada por Carlos em vários outros poemas seus, e o desajuste social externado pela criatura, o eu-lírico, que culpa Deus por seu fracasso na vida, por seu abandono e insinua que Deus fez pouco dele, ao mandar um anjo Seu para lembrar-lhe de seu destino, “Vai, Carlos, ser guache na vida”. O eu-lírico afirma, também, que, mesmo se se chamasse RAIMUNDO, cuja palavra carrega em sua mais pura acepção o significado de PROTETOR, PODEROSO, SÁBIO e BOM, não seria capaz de livrá-lo de seu destino, o de ser guache, ou seja, desajustado socialmente, sem rumo e sem sorte na vida, e RAIMUNDO seria apenas uma rima, nunca uma solução para os seus problemas. O Poema de Sete Faces exprime sua poesia ímpar; é a metáfora perfeita para a angústia e a desilusão daqueles que não são felizes na vida; daqueles cuja essência de amargura não têm a vida como um presente divino. Mons. Raimundo não; Mons. era tudo de bom! Fez jus à acepção mais pura, cristalina e sublime de seu termo! Carlos bem que poderia ter conhecido a biografia de Mons. Raimundo antes de criar um eu-lírico assim, gauche na vida. Talvez ele, Carlos, tivesse maneirado nos sentimentos do eu-lírico desse belo poema de sete estrofes, e Raimundo não seria apenas uma rima pobre e sem solução. Eu ... bem, eu, do ponto de equilíbrio dessa gangorra dum Raimundo e outro, curto extasiado a arte irretocável da vida, e compartilho essa bela metáfora dum amargurado ser, ao dedicar ao poeta Drummond, uma humilde análise de seu excelente POEMA DE SETE FACES; ao Mons., meu Inesquecível mestre e Raimundo de todos os Raimundos, um poema meu de oito faces.

RAIMUNDO, PADRE NOSSO DE CADA DIA!
“Mundo mundo vasto mundo,
Se eu me chamasse Raimundo
Seria uma rima, não seria uma solução.
(...)
Mais vasto é meu coração.”
“Mundo mundo vasto mundo.”
O Raimundo que quero que veja
É Raimundo da Santa Igreja
Um mundo de oração.
Ave Raimundo cheio de graça
O Senhor está conosco em sua clara homilia
Mas o poeta Drummond em sua rica poesia
Não rimou o Raimundo dum profundo saber.
Mundo, tão vasto mundo,
Raimundo amigo, sacerdote, monsenhor
Pontual, confessor, sincero, professor
Vasto mundo, mais que rima pode ser.
Raimundo do mundo de Rita Santa
Cruz de nosso dia-a-dia
Raimundo, Jesus e Maria
Quão poético descrever!
Santo bordão de Raimundo de luta!
Bendita a adutora presente!
Voto sim na água benta da gente
Milagroso Raimundo também!
“Mundo mundo vasto mundo”
O mundo no verso ou na prosa
De Raimundo Gomes Barbosa
Carlos agora um relato tem.
Raimundo, Raimundo, vasto Raimundo,
O mundo de Carlos foi perdoado
E por Raimundo abençoado
Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo
AMÉM.

(Nailson Costa, neste exato momento de 24.01.15, docemente afogado nas 7 taças de vinho de minha mais pura lucidez.)

UMA CHAPEUZINHO VERMELHO MUITO CORAJOSA - Gilberto Cardoso dos Santos



Chapeuzinho vai andando
Dança o pararatibum
Com seu andar incomum
Segue animada e cantando
O lobo está espreitando
A missão é perigosa
Mas ela é corajosa
Pergunta em tom triunfal:
“Onde está o lobo mau
Pra gente ter uma prosa?”

Porém o lobo assustado
Talvez esteja escondido
Em lugar desconhecido
Com medo e desanimado
Se estava esfomeado
Já não está nem aí
Na cesta tem açaí
Doce-de-leite, cocada
Diz Chapeuzinho estressada:
“Cadê o lobo daqui?!”

Outro chapéu desejando
A Chapeuzinho Vermelho
Da mãe não segue o conselho
Continua debochando
Se o lobo está espreitando
Decerto já desistiu
Quando aquela voz ouviu
Voz estranha, masculina
Não era voz de menina
Logo o lobo pressentiu.

Pelo lobo rejeitada
Chapeuzinho vai tristonha
No entanto ainda sonha
Ser por ele atacada
Tão nova e já tão levada
Com uma saia tão curtinha
Penso que a vovozinha
Não vai gostar nenhum pouco
Do comportamento louco
Dessa rebelde netinha.

Triste é a situação
Da Chapeuzinho Quixote
Com seu estranho decote
Querendo ser refeição
Aqui há uma inversão
Chapeuzinho, sedutora
Torna-se a predadora
O lobo é vitimizado
Por isso, desesperado
Foge da enganadora.

“E agora, Chapeuzinho?”
Diria Cid Moreira
“Vá depressa, na carreira
Cruze logo esse caminho”
Nesse conto em desalinho
O lobo muda de plano
Pra evitar outro engano
Deixa de ser lobo mau
E em mudança radical
Vira vegetariano.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

De que serve? - Louro Branco


De que serve ser um rico
e não olhar para os fiéis
andar num carro importado
conduzindo os coronéis
capotar descendo a pista
ir pro inferno de pés?!

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

O VEEMENTE DISCURSO DE UM MUDO - Gilberto Cardoso dos Santos



Ele discursa com gosto
Fala com convicção
Tem, além da voz potente,
Boa gesticulação
A gente vê claramente
Que o discurso veemente
Procede do coração.

Promete sem falsidade
Isso a gente pode ver
E eu sei que são coisas boas
O que está a dizer
A gente lê no olhar
Que ele não quer enganar
Promete o que vai fazer!

Fala com severidade
Contra a corrupção
Não vai haver bandidagem
Durante a sua gestão
Quem o ouve nada entende
Mas no fundo compreende
Ser boa a sua intenção.

Ele se espreme exprimindo
Seu amor pela cidade
É coerente o que diz
Com a intencionalidade
Não é só verborragia
O tom de voz denuncia
Que ele disse a verdade.

Por quantos belos discursos
Nós já fomos enganados?
É hora de dar um basta
Em discursos planejados
Pra eleger a escória
Não é de boa oratória
Que estamos necessitados.

Qual o político que não muda
Mesmo quando diz “não mudo”?
Na campanha é sorridente
Quando ganha é carrancudo
Na política é falastrão
Prometedor, enrolão
Depois esquece de tudo.

Talvez o mudo não mude
Faça o que está a dizer
A gente não sabe agora
O que pretende fazer
Falhou em sua expressão
Mas quando entrar em ação
A gente vai entender.

Ouça: O DISCURSO DO MUDO  http://www.lognplay.com/musica.asp?cod_mus=786793 

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

CONFISSÃO DE UMA FOLHA DE PAPEL


Autor: Jonh Morais

Eu sou o simples papel de branco tom
Que oferece suas folhas para escrita,
Sou rascunho nas obras de um artista
Lugar vago que muitos mostram dom
Porto as marcas de um beijo com batom
Numa carta bem feita pela amada
Faço jus a palavra digitada,
Trago textos bonitos e cumpridos,
Guardo feitos e fatos ocorridos
Sendo arquivo de data já pasada.

Quantas vezes na noite iluminada
Companheiro me fiz aos bons poetas
Que escreveram histórias bem completas
Pela linha que em mim se fez grafada,
Mas por vezes suponho valer nada
Quando sou desprezado na lixeira
Amassado na mão que foi parceira
E que agora me atira desprezível,
Perco essência, valor e baixo o nível
Sinto ser nada mais do que poeira.

Mas eu passo de fato a vida inteira
Entre os muitos cadernos de sua escola
Me corrompo por vezes sendo cola
Repassada nas provas tão faceira,
Nos diários eu provo a verdadeira
Amizade e me faço confidente,
Pelos livros me torno tão envolvente,
Levo a mente a vagar pelas histórias
Encantadas, de guerra, drama e glórias
Que você se entretém saudosamente.

Quantas vezes também me fiz presente
Nos projetos e plantas de engenheiros,
Nos malotes de cartas dos carteiros
Na receita prescrita ao paciente,
Nas agendas eu fiz corretamente
Os arranjos de tempo e de horários,
Nas gavetas morfadas dos armários
Quantas vezes me senti tão inútil
No dinheiro, porém, me sinto útil
Quando sou recebido nos salários.

De papel se produzem dicionários,
Cadernetas, os atlas, as passagens,
No papel se escrevem as linguagens
As receitas, as contas, formulários
Contra-cheques de muitos funcionários
Os recibos, convites, os recados
Redações, as resenhas, os ditados
Os jornais, as revistas, as grafias,
E se estuda também infindos dias
Pra ganhar de papel, certificados.

No papel é que alguns advogados
Buscam brechas nas folhas de um processo,
E que a senha abre a porta para o acesso
Numa festa ao chegar os convidados,
Nos papéis que se tornam carimbados
Se confirma o valor e a garantia,
Nos panfletos se chama a freguesia,
De papel, um barquinho se balançaZa
Pra trazer o sorriso pra criança
Estampando seu rosto de alegria.

Quantas resmas se vão no dia-a-dia
Na impressão de apostilas, manuais,
E nas Xerox, nas fotos quantas mais
São findadas sem ter muita porfia,
Bibliotecas tais quais de Alexandria,
De papel a formar grandes jazidas,
Com estantes infindas, divididas
Tem-se a bíblia que é feita de papéis
E as histórias escritas nos cordéis
São papéis pelas cordas estendidas.

Sou papel entre mãos estarrecidas
Que pontuam um simples desempenho,
Sou papel onde se faz um desenho
De momentos ou coisas já vividas,
Sou papel nas paredes exibidas
Que decora castelos e salões,
Que compõe a figura dos cartões
Onde lê-se: FELIZ ANIVERSÁRIO!
Sou papel em argolas de um fichario
Transitando nas grandes multidões.

Sou figura notável das junções
Das paredes de pura celulose,
Que aparece também na apoteose
Em confetes e em mil decorações,
No origami me viro entre dobrões
Pra atingir os anseios de um pedido,
Pelas traças me vejo corroído
E assim morro na tal putrefação,
A seguir minha vil contradição,
Feito simples papel embranquecido.

NOITE DE CHUVA - Cláudio Limeira

Que deixei para trás de minha infância? Certamente muito do pouco que tinha. Na minha pobreza, elegi meus tesouros.
 Foi assim que, ao sair de Cuité para  Santa Cruz, trouxe comigo o livro de Cláudio Limeira intitulado “desafio.”. Livro magro, de poucas e bem exploradas palavras, belamente ilustrado a nanquim pelo próprio autor. Abaixo, um dos poemas, capa e contracapa.

               Contracapa do livro: texto de Yó e desenho do autor


Quando chove
eu logo me lembro
do tempo que não chovia

Quando faz verão
me contrario
por não ter água
naquele rio

Se a maré está cheia
por que não seca?
e se está seca
por que não enche?

Acho que estou
transbordando vazio
nesta noite de chuva.

domingo, 18 de janeiro de 2015

TOADA DE GADO E POESIAS NA CONFRATERNIZAÇÃO DA APOESC


Em dezembro de 2014 nos reunimos para fazer a despedida do ano. Foi um momento marcante, singelo, em que respiramos cultura nordestina. Muito nos honrou a presença do poeta Zé Ferreira, que veio de Natal para participar de nosso encontro.
Vejam um pouco desse momento:


sábado, 17 de janeiro de 2015

JEFF DUHAM E SEUS BONECOS - Gilberto Cardoso dos Santos


Jeff Duham é um ventríloquo americano mundialmente conhecido e admirado por seu trabalho. Já esteve no Brasil, inclusive num programa da Xuxa, há muitos anos.  Alguns o consideram um gênio do ventriloquismo, o melhor do mundo. Além de emprestar-lhes a voz, quase que literalmente ele dá vida aos seus bonecos.
Jeff Duham é o quarto humorista mais bem pago do mundo. Em 2013 arrecadou 19 milhões de dólares com seus shows.
Seus personagens são muito queridos e agradam a pessoas de todas as idades. Seu humor meio que politicamente correto e inteligente tem-lhe aberto muitas portas. Ahcmed, o terrorista morto, Walter, o velho ranzinza e Peanut, com sua agitação e bom humor, são campeões de aplauso em suas apresentações. Mas há outros bonecos -todos com personalidades incrivelmente diversas - igualmente apreciados. Confira nos vídeos abaixo:




sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

SOU OU NÃO CHARLIE HEBDO? - Gilberto Cardoso dos Santos


Vendo as imagens chocantes do ataque à redação do jornal francês em 07.01.2015 e o slogan que quase de imediato foi mundialmente divulgado, pensei em ser Charlie Hebdo. Depois, li um texto partilhado por Leonardo Boff, não de sua autoria, intitulado “Eu não sou Charlie Hebdo”, com algumas ponderações interessantes. Resolvi aprofundar-me no tema, ter outras visões sobre o problema do terrorismo. Assisti um documentário sobre os ataques do Boko Haram, um grupo similar ao Al Qaeda e ao Isis que, apenas no primeiro mês de 2015 matou cerca de três mil nigerianos. A partir daí, comecei a ver mais claramente um outro lado. Vi que a charge, cujo significado é “carga” (devido o exagero que se faz nos traços), pode ter um peso muito grande na história, nem sempre positivo. No vídeo citado, Haruna Mshella, presidente de conselho paroquial, explica a origem do atual conflito vivido por sua gente:

“Tudo começou com aquelas caricaturas da Dinamarca, feitas por alguém que não conhecemos, nem sequer é cristão. De qualquer modo, em seguida começaram a vir a igrejas aqui e a assassinar os sacerdotes.”

Lembrei-me deste precedente na história das charges. O caricaturista dinamarquês, indignado com tantos entraves trazidos à democracia pelo radicalismo islâmico, expressou sua revolta através de charges do profeta Maomé. Isso provocou uma imensa revolta nos países islâmicos e uma reviravolta rotina de sua família. Teve que mudar-se para endereço desconhecido e até hoje não tem pleno sossego. Na verdade, correu um risco calculado. Conseguiu manter-se ileso até hoje, mas o que pensar sobre os incêndios em embaixadas e mais de 200 mortes consequentes? Caso as palavras de Haruna Mshella correspondam aos fatos, não devería ele também sentir-se culpado ainda que em parte pelo que ora ocorre na Nigéria? No caso do atentado francês, pessoas que nada tinham a ver também pagaram com a vida. Um dos cartunistas assassinados na França, já idoso, disse com louvável coragem estar numa fase em que já não temia represálias. Pergunto-me se ele não deveria ter levado em conta o risco que outros também correriam. Fico imaginando quantos que nunca leram esse jornal ou viram estas charges sofreram por causa delas. 

Mas se eu fosse um artista, consciente de que minha arte poderia resultar na morte ou sofrimento de inocentes, ponderaria muito antes de expressá-la. Não conheço todas as charges publicadas pelo famoso jornal e imagino que elas contenham uma mensagem que, em linhas gerais, não deva ser suprimida. Todavia, como falar ao entendimento de alguém que está cego pelo fanatismo e que, covardemente, poderá atacar a inocentes que pouco ou nada têm a ver? Confrontá-lo do modo mais agressivo, como num ato insano de vingança não me parece ser a melhor saída. Tenho o direito de atrever-me a dizer-lhe algumas verdades, buscar impor limites à sua intolerância, exigir meus direitos, mas deverei ponderar como fazê-lo, pois estou a tratar com gente movida por paixões obscuras, capaz de qualquer coisa. Uma pergunta perfeitamente cabível, norteadora da liberdade de expressão nesse caso deveria ser: O que fazer para limitar meus ataques à ala radical do Islã sem ofender aos moderados? Tem como batalhar contra tais inimigos sem multiplicá-los? Vi algumas caricaturas inteligentes, de imediato aprovadas, publicadas naquele jornal. Mas vi outras pouco ou nada criativas, puramente ofensivas. Deu-me a impressão que na falta de inspiração buscavam compensá-la com agressões fortes, ousadas, mais parecidas com demonstrações de coragem insana que de humor propriamente dito. Em referência ao atentado, o papa Francisco disse que a liberdade de expressão tem limites e que se alguém insultasse sua mãe deveria esperar um soco como resposta. Exemplo tão pessoal leva-nos a refletir sobre a necessidade que temos de levar em conta os sentimentos e a mentalidade de nossos interlocutores, principalmente quando o que lhes dizemos soa desagradável. Inteligência emocional, tato e empatia são fundamentais num mundo globalizado, de equilíbrio tão frágil.

Aplaudo a ferrenha defesa que a França, berço do Iluminismo, faz da liberdade de expressão e acho que só por isso eu deveria ser Charlie Hebdo. Mas quando vejo esse mesmo país condenar o comediante Dieudonné pelo fato dele se valer dos mesmos direitos ora defendidos, fica a dúvida se estão fazendo um uso coerente da liberdade de expressão. Em seus shows de stand up comedy, ele agride valores caros à cultura francesa. Apesar das ameaças, prejuízos e aprisionamentos parece cada vez mais disposto a atacar o que ele considera um uso hipócrita do direito de expressão. Graças a essa oposição, parece-me, é um monstro que está a crescer. Não será mais mais uma estratégia errada de combate ao terrorismo, a somar-se às muitas que França tem cometido ao longo dos anos? O futuro dirá.

Estarrecido com o assassinato de quatro importantes chargistas (e de mais 13 pessoas que só se tornaram objeto de comoção pela associação com os famosos), o mundo se mobilizou duma maneira que entrará para a história. Dias antes, em 16 de dezembro de 2014, terroristas muçulmanos do Talibã invadiram uma escola no Paquistão, deixaram 141 mortos e 131 feridos, a maioria crianças, mas na França e no mundo quase não houve alarde. Impressiona-nos como algo tão grave foi e continua sendo tão pouco divulgado. Não houve um ajuntamento de estadistas para protestar nem multidões nas ruas para dizer "nós somos os 3 mil massacrados da Nigéria, somos as crianças mortas na escola paquistanesa". Isso prova o quanto os seres humanos continuam a valer pelo que têm, pela posição que ocupam, pela localização geográfica em que vivem. A mensagem que a Europa e o resto do mundo deixam escapar é que não importa muito aquilo que os radicais estão fazendo em outras partes do globo, desde que os deixem em paz. Quanto à decisão da imprensa mundial em dar ampla cobertura ao acontecimento, tem a ver também com interesses corporativistas. Defender o Charlie Hebdo é defender-se. Mostrar a força do Quarto Poder e desestimular atentados aos  formadores de opinião são as grandes razões.

Por fim,  lembro-me do efeito positivo que as charges dinamarquesas tiveram na vida de vários muçulmanos. A ex-muçulmana Wafa Sultan, por exemplo, despertou a partir daquela caricatura. Ferrenha defensora dos ataques ao fanatismo através de caricaturas e outras manifestações artísticas, ela diz que o Islamismo precisa se abrir à critica assim como ocorreu com o Judaísmo e com o Cristianismo. Só assim ele evoluirá, diz ela. Daí minha vontade de ser Charlie Hebdo. Por estes esses e outros motivos, bate-me a dúvida se devo ou não vestir a camisa que parece ter uniformizado o planeta. O personagem Hamlet, em sua crise existencial, expôs o dilema numa frase hoje clássica. Também vivo uma crise de identidade diante de tantas cobranças e discussões em torno desse atentado. Ser ou não ser Charlie Hebdo, eis a questão. Mas estou aberto a críticas.